segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A violência contra homossexuais e a suposta culpa do Cristianismo

Não me considero um especialista em Cristianismo. Apesar disso, vejo-me na condição de falar com certa propriedade a respeito da religião que moldou a cultura ocidental. Durante os primeiros 17 anos da minha vida dividi-me entre a profissão de fé católica (até os 11 anos) e a protestante (dos 12 os 17), mas precisamente como membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Nos 17 anos seguintes, ao me converter ao ateísmo, dediquei-me à “militância” contra qualquer ideia religiosa. Escrevo converter sem aspas por hoje compreender de outro modo como se dá a assunção de uma cosmovisão ateísta, sobre o que já falei em ensaios anteriores (disponível aqui e aqui). Escrevo militância, por sua vez, entre aspas, porque julgo que não cheguei a me tornar um missionário às avessas, preocupado em conquistar prosélitos para uma causa superior. No entanto, sempre que havia oportunidade para falar de religião, desferia toda minha condenação contra o fenômeno religioso, o qual seria responsável por todo atraso e violência existente no mundo. Meu anátema era mais contundente quando se referia ao Cristianismo, que teria sacrificado muitos homens da Ciência no altar da Inquisição (Nunca obtive um só exemplo disso, mas...). Esquecia-me, porém, em minha crítica à maior religião do planeta, que, para fazer uma análise mais honesta e científica desse objeto, deveria me apropriar do modo mesmo como o cristão enxerga o mundo. Ou seja, deveria compreender bem o que era de fato o Cristianismo, e não o que eu pensava que deveria ser ou julgava que fosse. Ora, quando criticava o Cristianismo, invariavelmente não o fazia a partir da minha experiência anterior como cristão, mas a partir de uma leitura do Cristianismo feita por seus críticos. Hoje compreendo isso.

É claro: o Cristianismo é criticável. Longe de mim dizer o contrário. Penso até que a maior crítica já feita a ele provém de Nietzsche. O filósofo alemão considerava-o uma religião de ressentidos, uma forma de platonismo que, negando os valores do presente em função de uma imaginária bem-aventurança no porvir, acabava conduzindo a humanidade a um tipo de niilismo. Apesar dessa crítica, a filosofia de Nietzsche era, essencialmente, niilista. De qualquer forma, quando Nietzsche criticava o Cristianismo, ele falava a partir de ideias verdadeiramente cristãs: a mensagem de dar a outra face, o deus que se deixa morrer na cruz, a crença na salvação da alma, a negação dos valores seculares em vista de valores superiores e celestiais, etc. Nietzsche criticou a essência mesma do Cristianismo e não o que lhe era periférico ou até mesmo falso. Talvez seja o caso de a crítica do autor de O Anticristo carecer de sustentação, mas ninguém poderá acusá-lo de ignorância sobre o assunto de que trata ou de desonestidade intelectual, uma vez que nunca precisou criar um espantalho cristão para facilitar sua crítica demolidora. Nietzsche conhecia o Cristianismo muito bem e de perto.

Mas quando escuto alguém alertar para o perigo que o discurso cristão representa para as minorias e oprimidos do mundo, creio que quem fala está tratando de qualquer coisa, menos do Cristianismo. Bem, vejamos: um amigo me fala que é a influência da religião cristã, com seus preconceitos contra os homossexuais, a responsável pela violência praticada contra essa minoria. Nesse caso, houvesse um mundo em que as pessoas pudessem estar salvaguardadas de tal influência nefasta, possivelmente não haveria agressões sistemáticas a homossexuais. Seria possível isso? Estou disposto a enveredar por essa hipótese. Então, vamos lá:

Suponho que meu amigo não queria se referir a um mundo em que o Cristianismo fosse simplesmente eliminado. Evidentemente, sem a hegemonia cristã, o espaço vazio seria ocupado imediatamente pelo Islamismo, a segunda maior religião mundial. Mas, apesar das campanhas de tolerância ao Islã hoje em curso no Ocidente, as quais tentam construir a ideia de que se trata de uma religião de paz (o terrorismo seria obra de uma minoria extremista), todos sabemos o que acontece com os homossexuais nas terras dos aiatolás. Para os desinformados, julgo que é suficiente registrar que na Arábia Saudita, no Sudão e na Somália, por exemplo, a homossexualidade é punida com pena de morte. É claro que sempre se poderia imaginar a hegemonia de outra religião, com um discurso menos opressor, mas, suponho, não era isso a que meu amigo se referia, mas a um mundo sem o Cristianismo ou qualquer outra religião, tal como imaginava John Lennon. Para não perdermos tempo com ficções, analisarei essa proposta à luz de fatos reais e históricos.

Serei direto: a história do Comunismo desmente a tese segundo a qual há uma relação necessária entre uma sociedade sem religião e um mundo mais harmônico e igualitário. O Comunismo é essencialmente ateu e se sustenta em uma concepção materialista da história humana: o motor que a conduz é a luta de classes. Nesse contexto, não há espaço para a transcendência. Foi justamente esse aspecto que Karl Marx ignorou em Hegel, adotando apenas sua dialética. Um mundo mais justo e igualitário deve ser conquistado pelos oprimidos a partir de uma revolução, isto é, sem qualquer intervenção divina. A construção do paraíso na Terra prescinde de Deus. Dessa forma, a religião acaba se revelando como fator de alienação (o “ópio do povo”), sendo, por essa razão, contra-revolucionária, daí ter que ser combatida. Onde o Comunismo imperou, foi justamente isso o que aconteceu. E quanto aos homossexuais? O que aconteceu com essa minoria nos países comunistas? Foram incluídos nessa sociedade ideal em que o leão pasta alegremente ao lado do cordeiro? Absolutamente! Em vez disso, foram duramente perseguidos, presos, submetidos a trabalhos forçados, onde encontraram, na maioria das vezes, a morte. Mas como explicar isso? Ora, com o Stalinismo, a homossexualidade passou a ser entendida como contra-revolucionária e “uma manifestação da decadência da burguesia”. Leia-se o que se acha escrito na Grande Enciclopedia Soviética, editada pelo governo soviético:

“A origem do homossexualismo é ligada às circunstâncias sociais quotidianas, para a grande maioria das pessoas que se dedicam ao homossexualismo, tais perversões se interrompem tão logo que a pessoa se encontre em um ambiente social favorável (…) Na sociedade soviética, com os seus costumes sadios, o homossexualismo é visto como uma perversão sexual e é considerado vergonhoso e criminal. A legislação penal soviética considera o homossexualismo punível, com a exceção daqueles casos nos quais o mesmo seja manifestação de uma profunda desordem psíquica.”

Durante o governo revolucionário de Stálin, a homossexualidade só não era punível em se tratando de casos patológicos.  É interessante saber que muitos artigos contra a homossexualidade foram inseridos em todos os códigos penais das Repúblicas Soviéticas! Ou seja: ainda sem a influência do Cristianismo ou de qualquer outra religião, poderíamos ter do mesmo modo a violência contra os homossexuais se manifestando na sociedade e de forma sistemática. Mas talvez isso ainda não seja suficiente para convencer o meu amigo. Ele talvez raciocine que o Comunismo funcionava, de certa forma, como uma religião de estado e, por essa razão, meu exemplo seria ilegítimo. Talvez seja o caso de eu imaginar um mundo em que todos sejam educados pelos mais belos princípios humanistas. Tentarei enveredar, então, por esse mundo utópico.

Sim, não posso me furtar ao direito de afirmar que tal mundo é utópico, uma vez que nenhuma civilização humana jamais se estabeleceu sem o alicerce de uma religião. Mas não custa nada fazer um esforço para tentar entender o raciocínio aqui. Um mundo só com princípios humanistas. Ok. Remeto-me imediatamente a Jean Jacques Rousseau. O filósofo da era da razão, odiado por tantos que o conheceram pessoalmente, de certa forma recupera a auto-estima do ser humano ao enunciar que todo homem nasce bom, sendo em seguida corrompido pela sociedade, invertendo a mensagem cristã do pecado original, segundo a qual nascemos com uma natureza fundamentalmente má. Parece-me que Rousseau, nesse caso, acreditava na tese do meu amigo. Ora, segundo ele, não fosse a influência nefasta da sociedade, o homem revelaria toda sua bonomia. No entanto, pelo que se sabe, nem Rousseau escapou de tanta corrupção. Sua bondade se manifestou em seu gesto de dar todos os cinco filhos que tivera com uma amante para a adoção alguns anos antes de escrever um livro em que ensina como se deve educar as crianças.  Um comunista, parodiando Rousseau, dirá: não fosse o capitalismo, viveríamos em um mundo mais justo e igualitário. Tudo o que o Comunismo fez, no entanto, foi criar uma igualdade tal qual Orwell descreve em sua Revolução dos bichos: todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros. Continuando a parodiar Rousseau, não fosse o Cristianismo, então teríamos um mundo em que homossexuais e demais minorias não seriam vítimas da opressão. É isso que você defende, meu amigo? Não creio que se sustente a tese de Rousseau. A História nos concede inúmeros exemplos da nossa maldade essencial. Da propensão do ser humano para o erro e o vício. Essa é a regra geral. Mas voltarei a esse ponto. Antes, porém, desejo discutir outra coisa: será mesmo que o Cristianismo justifica a violência contra homossexuais? Tal mensagem de ódio está contida nos evangelhos?

Iniciei este texto ponderando que era preciso analisar o Cristianismo a partir do próprio Cristianismo e não a partir da visão de seus críticos. Achei necessário repetir isso agora. Meu amigo cita passagens bíblicas em que se ordena que homossexuais sejam mortos. Não me interessa, neste momento, proceder com uma exegese de tais passagens do texto bíblico para demonstrar que sua interpretação é equivocada. Nem sequer fui conferir se tais passagens existem do modo como foram evocadas. Deixo isso para os apologistas cristãos. O problema, para mim, é de ordem mais grave. O equívoco do meu amigo é criticar o Cristianismo a partir do que ele julga que seria coerente o cristão defender, não a partir do que este de fato defende. Bem, se há uma passagem do livro sagrado do Cristianismo que ordena o assassinato de homossexuais, então parece razoável concluir que é isso exatamente o que cristãos defendem. Sério? É isso que o evangélico ouve no culto e na escola dominical? É isso que o católico aprende na missa ou quando se prepara para a primeira comunhão? Nos 17 anos em que professei a religião cristã jamais tive conhecimento de qualquer discurso no qual pudesse haver, mesmo nas entrelinhas, qualquer animosidade contra os homossexuais. Ainda que em certos casos a homossexualidade seja motivo de escândalo entre os cristãos, como muitas outras coisas evidentemente são, não há, dentro do Cristianismo, a ideia de que o cristão deve punir o pecador em virtude de seu pecado. Tal ação cabe somente a Deus. O escândalo do cristão deve-se, segundo a Bíblia, à sua debilidade espiritual. Quando Jesus andava e comia com pecadores era motivo de escândalo entre os primeiros cristãos, que também eram pecadores, mas tinham de ser lembrados disso de vez em quando. Uma das faces do evangelho cristão é anunciar que nenhum ser humano presta. Entender isso é o primeiro passo para alcançar o Paraíso.

Presumo que o cristão tem suas razões para não levar para a vida prática o que se acha escrito sobre os homossexuais no Antigo Testamento. Não se trata de um Cristianismo self-service, como meu amigo parece pensar. Não é o caso de o cristão escolher na Bíblia apenas o que lhe convém defender. Existe, na verdade, todo um conhecimento teológico historicamente construído que orienta essa leitura. Acontece que poucos são os críticos com paciência e interesse suficientes para mergulhar nesse universo. E, como não o fazem, acabam por falar sobre o que desconhecem completamente. Por puro preconceito, supõem que não pode haver qualquer razoabilidade nessas explicações, daí não se prestarem a ouvir o que um estudioso das escrituras hebraicas e gregas poderia ensinar a um leigo a respeito de certas leis do Antigo Testamento. Existe, por exemplo, uma corrente denominada Dispensacionismo, que aponta as diversas formas como o plano de Deus se manifestou através dos séculos. Segundo essa corrente, entender que vivemos sob uma determinada Dispensação é o caminho para uma leitura adequada de um texto escrito sob outra. O Dispensacionismo concorre com outras correntes interpretativas, sobre as quais não me proponho a discorrer aqui. Os adventistas, por exemplo, têm sua própria linha de interpretação, segundo a qual se distinguem na Bíblia leis civis, cerimoniais e morais. As leis morais, escritas pelo próprio dedo de Deus e entregues a Moisés em tábuas de pedra seriam as únicas de caráter permanente. As demais existiram em certas circunstâncias e para cumprir determinados propósitos. Concedo ao meu amigo que ache despropositadas todas essas leituras e identifique nelas uma tentativa de se acomodar o texto bíblico a um tempo em que preconceitos no geral são vistos como ignorância e atraso. Nesse caso, segundo a Bíblia, o homossexual deveria mesmo ser morto, apesar de o cristão não assumir esse discurso e, para não assumi-lo, utilizar-se de contorcionismos interpretativos. Só não concedo ao meu amigo que afirme que o Cristianismo ensina isso efetivamente ou que dele se possa deduzir tal conclusão. O Cristianismo pode ter seu próprio discurso, independentemente de seus acólitos procederem ou não com uma interpretação fiel do texto bíblico, a qual o meu amigo parece perseguir com peserverança.

É curioso para mim que a compaixão cristã, tão condenada por Nietzsche, seja um aspecto negado por quem identifica no Cristianismo uma mensagem de ódio contra os homossexuais.

Mas, apesar de não existir uma mensagem de ódio contra os homossexuais no Cristianismo, ainda se debita na sua conta a violência de que esse grupo é vítima no país. Um homossexual é espancado? É morto? A culpa deve ser da condenação cristã à homossexualidade, inoculada na mente de todos nascidos sob a influência nefasta dessa religião: quase a totalidade dos brasileiros. Como assim? Uma pessoa agride fisicamente outra, chega a matá-la, pelo simples fato de ser homossexual e a culpa é do Cristianismo? Pobre do agressor, que não teve oportunidade de ter uma educação humanista higienizada da sujeirada cristã! Caso contrário, jamais teria cometido tal ato. A primeira vítima, no caso, deve ser ele, o agressor, e não o homossexual, o agredido. Este também, enquanto vítima, deve ser incluído na contabilidade dos pecados do Cristianismo. Mas, amigo, não se vê aqui o que você denunciou como Cristianismo self-service? Se o Cristianismo defende que a homossexualidade é algo abominável aos olhos de Deus, não defende esse mesmo Cristianismo a amar até mesmo os inimigos? Não ensina a oferecer a outra face? Não ensina a ter compaixão com os pecadores? Como alguém poderia partir para a agressão física justificado pelo Cristianismo?

Sabe qual é o problema? Vivemos sob uma cultura da vitimização, ancorada na ideia equivocada e ingênua de Rousseau (Prometi que voltaria a ele.), de onde também bebeu Marx. Tirando todas as influências da cultura, da religião, do capitalismo, dos videogames, da televisão, etc., o homem será bom, reencontrando-se o seu estado de natureza. Alguém roubou, matou, sequestrou? É culpa do Capitalismo. Alguém abriu fogo em um cinema? A culpa deve ser dos malditos videogames. Alguém espancou e torturou um homossexual? A culpa certamente é do Cristianismo. Sem revelar uma relação necessária entre causa e efeito, proferem-se discursos contundentes contra a religião cristã, demonizando-a, criando uma atmosfera de preconceito contra quem a professe. As consequências desse discurso já podem ser percebidas, mas sobre isso falarei em outro texto.

Há algo que não compreendo e sobre isso já falei muitas vezes. O crítico materialista na sua sanha antirreligiosa parece não se dar conta da enorme confusão em que se meteu. Ora, pois, sob que bases morais ele se propõe a defender o direito de minorias como os homossexuais? Ao fazer tal defesa, ele está defendendo certa moral, mas se for o caso de tudo se resumir à matéria, então não há escapatória: recairemos inevitavelmente em um subjetivismo ético. E, se não há uma verdade moral válida para todos, por que o homossexual deveria ser respeitado? Por que deveríamos condenar seu agressor? Não vejo o que se possa dizer a respeito que seja razoável, mas estou disposto a ouvir as explicações de quem se propuser a fornecê-las. Para o cristão a coisa é mais simples: agir com bondade e compaixão com o pecador é um imperativo categórico. Deus é um ser moral e é à luz disso que o ser humano descobre a moralidade. Algo é bom porque espelha a natureza de Deus. E Deus é bom. Portanto, o Cristianismo apresenta uma base moral sólida a partir da qual o homossexual pode ser defendido de qualquer tipo de violência. O materialismo não pode fornecer isso.

A violência contra os homossexuais pode ser melhor compreendida no contexto do relativismo moral que impera em nossos dias. Quando se fala da degradação moral característica de nosso tempo não se deve entender que o homem moderno se entregou mais ao vício do que o homem da Idade Média ou Antiga. Pode até ser que sim, mas há bastantes controvérsias a respeito. Prefiro não me arriscar. O fato é que o homem é propenso ao vício desde o começo dos tempos e isso não deve mudar até, pelo menos, a volta de Cristo, caso os cristãos tenham razão em sua escatologia. A degradação moral consiste efetivamente na perda gradativa de uma consciência moral. A questão não é errar, mas não reconhecer mais o erro. É esquecer mesmo a ideia de erro. É negar que tal palavra seja constituída de significado. E, quando isso ocorre, qualquer coisa serve como justificativa para qualquer comportamento moral. Até mesmo agredir e matar homossexuais.


sábado, 21 de dezembro de 2013

Um antídoto para a idiotice

Idiota. No geral, entende-se a palavra como um xingamento. De acordo com o Houaiss, é algo que se diz da “pessoa que carece de inteligência, de discernimento; tolo, ignorante, estúpido” ou ainda “pessoa pretensiosa, vaidosa, tola”. É fácil constatar que o uso comum não difere do dicionarizado. Chamar alguém de idiota é convocá-lo para uma briga. Ou seja, não é nada lisonjeiro. Etimologicamente, porém, idiota remete à raiz idios, que significa próprio, sendo o idiota, no passado, aquele indivíduo que se dedicava apenas ao que lhe é próprio, privado, particular, tornando-se alheio ao que é de interesse público e geral. O idiota é alguém preso no seu mundinho e que não participa do que acontece ao seu entorno. É nesse sentido que Olavo de Carvalho usa a palavra no seu mais novo livro, O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota, lançado neste ano pela editora Record. Nele encontramos 193 ensaios escritos pelo filósofo entre 1997 e 2013 e publicados nos mais diferentes jornais do país. Os textos versam sobre política e fornecem ao leitor, como o título promete, o mínimo para que este transcenda o lugar comum da análise política ordinária, já tão viciada por anos de doutrinação ideológica esquerdizante, e amplie seus próprios horizontes.

Para as mentes mais suscetíveis, o título do livro parecerá, de todo modo, arrogante. Ao prometer o mínimo para não ser um idiota, o autor deixa sugerido que não pertence ao grupo de idiotas, o que lhe confere certo ar superior. O título, assim, ganha um tom professoral, alçando o autor na condição de quem sabe algo desconhecido pelos demais. Mas é justamente esse o objetivo de Olavo de Carvalho: levar o leitor à compreensão de que tem algo a dizer que ele, leitor, talvez não chegue a saber de outro modo. Sem preocupar-se em ser mal compreendido ou tachado como louco, Olavo age como o indivíduo que, escapando da caverna de Platão e alcançando pela primeira vez a verdade solar, volta ao mundo das sombras para anunciar aos que lá ficaram que a realidade é muito maior e mais profunda do que eles poderiam supor. Infelizmente, sabemos o que acontece no mito platônico com os que enxergam mais que os outros. Olavo fala com a autoridade de quem conhece os dois mundos e que aprendeu a língua de ambos.

O livro inteiro é uma denúncia. O que Olavo de Carvalho procura revelar ao longo de 615 páginas é o modus operandi da militância de esquerda, que, seguindo a cartilha de Antonio Gramsci, age de modo programático, de forma paulatina e indolor, em prol da instauração de uma nova ordem mundial regida pela ideologia comunista. Esta, cuja morte foi equivocadamente decretada com a derrocada do projeto socialista soviético, nunca esteve tão viva, crescendo de modo parasitário nas universidades, nas redações de jornais e no mercado editorial, reproduzindo-se por meio da produção científica, artística e cultural: dissertações, teses, poesia, música popular, cinema, etc. – tudo traspassado pela perspectiva marxista de luta de classes. Nesse panorama, não existe espaço para a leitura de um von Mises, por exemplo. Ou de um Hayek. Ou um David Landes.

Segundo Olavo de Carvalho, uma vez que a estratégia da luta armada não se mostrou eficaz, a esquerda entendeu que era preciso inocular o Comunismo na mente das pessoas por meio de expedientes mais sutis: seria suficiente mentir e omitir a verdade do indivíduo de forma sistemática, de modo que este só consiga raciocinar a partir das categorias de pensamento a que é apresentado durante sua formação escolar e acadêmica. Toda a realidade existente passa a ser, portanto, a realidade conforme o Partido. O indivíduo, assim, torna-se um idiota e em todos os sentidos. Um idiota que acredita apenas no que seu limitado conhecimento consegue alcançar, ou seja, no que aprendeu em livros de doutrinação esquerdista, no que sabe “de ouvido” ou no que lê em sites como a Wikipedia.

Olavo alerta ainda para a estratégia usada pela esquerda para fugir ao debate. Em vez de mostrar o erro do adversário, procura tornar ilegítima qualquer coisa que este venha a dizer. A solução é simples: basta chamá-lo de direitista, fascista, reacionário, defensor da ditadura, tucano, burguês ou inimigo do povo. Basta mostrá-lo como louco, um propagador de teorias conspiratórias e pronto! – Não é necessário dizer mais nada. Poderá haver estratégia melhor?

Muitos são os temas abordados pelo também autor de O jardim das aflições e de O imbecil coletivo. Olavo de Carvalho optou no livro pela defesa de seu pensamento de modo claro e contundente, sendo, em alguns momentos, agressivo até. Certamente essa característica de seu estilo é motivo de muitas críticas, apesar de a linguagem adotada no livro ser incomparavelmente mais suave do que a empregada no seu programa True Outspeak, veiculado pelo Youtube, repleto de palavrões, o que o tornou um personagem bastante conhecido e atacado na internet. Sim, Olavo não é o tipo de intelectual comportado, preocupado em angariar simpatias. Mas, se ele pode ser criticado por não ter boas maneiras, em compensação nos presenteia com um raciocínio impecável e baseado em fatos verificáveis por qualquer um. Para refutá-lo, portanto, o leitor não pode limitar-se ao xingamento, como se isso significasse usar da mesma arma de que se vale o autor. Olavo de Carvalho pode ser tudo, menos um idiota.


Os fariseus da nova religião

Fato notório nos evangelhos são as duras críticas que Jesus proferia contra um grupo de judeus que se vangloriava de cumprir a Torá (lei escrita) e seguir a tradição oral, considerando-se, por isso mesmo, fariseus, isto é, “separados”, “santos”, conforme o sentido etimológico do termo. Mas por que o farisaísmo era tão criticado pelo fundador do Cristianismo? Devia-se isso à condenação do comportamento presunçoso? O pecado dos fariseus consistia no orgulho de serem fiéis aos preceitos do Judaísmo? Seu erro se resumia ao fato de serem judeus ortodoxos e de se envaidecerem por esse motivo? Evidentemente que esse é um sentimento condenado de antemão na Bíblia. Foi a presunção de Lúcifer, segundo as Escrituras, que o fez desviar-se da luz e alcançar as trevas absolutas. O pecado dos fariseus, à primeira vista, parece ter sido exatamente o mesmo: verem-se como seres dotados de perfeição, o que equivale a perceberem-se como Deus.  No entanto, se esse pecado foi cometido, Jesus deixa claro que o problema é ainda mais embaixo: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia. Assim, também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade.” (Mt 23:27-28, grifo meu). Como se vê, os fariseus são criticados por sua hipocrisia! Eles apenas aparentam ser justos, mas, na verdade, não chegam a cumprir a lei. São iníquos. Qualquer semelhança com os modernos movimentos políticos de esquerda não é mera coincidência. E é isso que Rodrigo Constantino procura deixar claro em seu Esquerda caviar, publicado pela editora Record.

De início, Constantino esclarece a ironia por trás da expressão “esquerda caviar”. Trata-se de uma militância política que se sustenta no discurso em prol de um mundo mais justo e igualitário, mas que, na prática, constrói sua justiça e sua igualdade no diapasão da Revolução dos bichos, de Orwell. Nessa famosa distopia, o mundo mais justo se converte em um mundo de mais opressão e a sociedade igualitária se traduz na ideia de que alguns são mais iguais que os outros. Ou seja, prega-se o comunismo para os outros ao mesmo tempo em que não se revela disposição para abrir mão do conforto que somente o capitalismo pode proporcionar. A expressão tem similares em outras línguas, como “radical chic” (Itália), “socialista champagne” (Inglaterra) e “liberal limusine” (Estados Unidos). Sua origem é francesa (“gauche caviar”), esclarece Constantino, que arremata ironicamente: “como não poderia deixar de ser”. É interessante notar aqui como o esquerdismo passa a se constituir uma religião política, ao mesmo tempo em que seus prosélitos assumem um comportamento farisaico: um paraíso (um mundo em que inexistem desigualdades, guerras, preconceitos, discriminações e propriedade privada), a ser implantado em um futuro indefinido (com a realização do projeto comunista), é anunciado por um profeta (Karl Marx) e divulgado pelo militante de esquerda, esse missionário do novo mundo, que, munido das mais nobres intenções, age contrariamente a tudo o que verbaliza e condena nos outros. Pode haver postura mais farisaica do que essa?

Em Esquerda caviar, portanto, Rodrigo Constantino procura revelar, por trás do discurso bem-intencionado da esquerda, preocupado em “salvar o planeta, proteger os índios, cuidar das crianças africanas, enfrentar os ricos capitalistas em nome da justiça social, pagar a dívida histórica com os negros, acabar com as guerras, enaltecer as diferenças culturais, idealizar os jovens”, etc., a realidade mais ordinária: muitos desses seres abnegados são “ricos graças ao capitalismo que atacam; vivem no conforto do Ocidente que desprezam; gozam da liberdade de expressão que inexiste na Cuba que tanto proclamam; e desfrutam da paz e da segurança conquistadas pelo poder militar do Tio Sam que abominam”.

Os méritos do livro são dois: 1º - Constantino fala de forma direta e franca, sem firulas retóricas, que, no geral, mais confundem que explicam. Sua linguagem não segue os preceitos do politicamente correto, mas também não descamba para a grosseria e o xingamento gratuito; 2º - Ele trata de um amplo leque de temas essenciais para entender o pensamento da esquerda, o que já fica claro no sumário, que apresenta as divisões do livro. Ele aborda, por exemplo, a obsessão antiamericana, o ódio a Israel, o culto ao multiculturalismo e ao pacifismo, o mito Che Guevara, a conversão de Cuba na ilha dos sonhos, etc. Também dedica uma unidade inteira a retratar o farisaísmo constitutivo da personalidade de muitos dos ícones da nossa cultura: políticos, gurus e artistas. É o caso, por exemplo, de Barack Obama, do pacifista Gandhi (para espanto de muitos), do músico John Lennon, do linguísta Noam Chomsky, do cineasta Michael Moore, do professor Peter Singer, dos atores Brad Pitt e Angelina Jolie, do cantor e compositor Chico Buarque, do apresentador Luciano Huck... A lista é enorme.

Rodrigo Constantino é uma figura conhecida na internet. Odiado por todos aqueles que se deixaram seduzir pela novilíngua da esquerda, que, arrogando-se o monopólio da virtude, acaba entregando-se a todo tipo de vício, Constantino não se exime da responsabilidade de dar o seu recado. Ele não se intimida diante dos rottweilers que desejam calar a todos que ousem discordar da “democracia” petista e da “liberdade” esquerdopata. Ele põe as cartas sobre a mesa de jantar no exato momento em que o virtuoso admirador de Che conduz à boca uma libertária porção de caviar.  


quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Para fazer o que é certo¹

Nos últimos tempos tenho me preocupado com questões morais, o que tem deixado alguns amigos mais chegados um tanto desconfiados. Diz-se que uma pessoa de espírito libertário na juventude acaba, com o passar dos anos, descambando para alguma forma de moralismo. Obviamente quem diz isso vê nesse movimento uma caminhada em direção à decadência. Nesse caso, o incipiente moralista é alguém que, cansando-se da luta, acabou por juntar-se ao inimigo contra o qual não teve forças para combater. Assim, passa a integrar o sistema, a ser mais uma peça a dar vida à engrenagem social. Muitas das vezes converte-se em um reacionário, conservador, fundamentalista, elitista, radical de direita, porco capitalista, filhote da ditadura, fascista e muitos outros adjetivos simpáticos por meio dos quais a esquerda se refere aos seus adversários. Em uma época na qual a liberdade irrestrita é o bem supremo, na qual os ideais mais desejáveis podem ser traduzidos por meio do slogan de maio de 1968, “é proibido proibir”, quem reza por outra cartilha só pode ser alguém com o sádico desejo de restringir a liberdade humana. Isso fica muito mais evidenciado hoje devido ao predomínio das concepções da Escola Francesa², que, desconstruindo os paradigmas da tradição do racionalismo moderno, interditou qualquer pretensão a uma verdade objetiva, o que resultou, no campo da moralidade, no subjetivismo ético. Evidentemente, tal perspectiva implica ampla liberdade moral, uma vez que nega a existência de valores morais válidos para todos os homens, independentemente das contingências temporais e espaciais. Não obstante isso, acostumei-me a ouvir (e, no passado, a fazer) críticas à suposta motivação moral do religioso. Seja originária de um materialista de viés iluminista (aquele que acredita na verdade científica), seja de um adepto de uma cosmovisão pós-moderna (aquele que acredita em verdades construídas), a crítica que se faz é que o religioso age moralmente por medo de ir para o inferno, ou, na melhor das hipóteses, almejando a recompensa celestial. O ateu ou o agnóstico, ao contrário, preferem fazer o certo porque é o certo e nisso reside toda sua superioridade em relação aos que procuram barganhar com Deus. O caro leitor percebeu a contradição?

Ora, é impossível ser bom sem Deus. E se a bondade existe, ela se constitui uma evidência da existência de Deus. Para entender isso, suponhamos que seja verdade que valores morais objetivos inexistam, sendo toda a moralidade um construto sócio-histórico de uma determinada comunidade humana. Se assim fosse, como seria possível “fazer o certo porque é certo”? O problema aqui seria explicar o significado da palavra certo. Seria certo, por exemplo, submeter animais a testes de laboratório? Alguns diriam: “sim, trata-se de um mal necessário para o avanço da ciência farmacêutica”; por outro lado, outros diriam: “não temos direito de dispor assim da vida dos animais”. Qual é o certo a fazer nesse caso? Outro exemplo: seria certo que a mulher tivesse direito de escolha em relação ao aborto? As opiniões também se dividem nesse caso: há os defensores da autonomia da mulher sobre seu corpo e os que defendem o direito da vida intra-uterina. Quem está certo? Mais um: é certo matar em nome de uma causa nobre? Há quem defenda isso, apesar de a maioria parecer não concordar com tal ideia. Figuras históricas como Robespierre, Stálin e Hitler pensaram assim. Estariam eles errados? Mas como é possível saber isso? Ou seja, se a moralidade não tem qualquer valor objetivo, não há bases sobre as quais se possa saber o que, afinal, corresponde ao certo. É impossível fazer o certo sem Deus.

Alguns ateus não compreendem bem o que eu afirmo aqui. Quando digo que é impossível fazer o certo sem Deus, não estou dizendo que é impossível fazer o certo se você não acredita em Deus. Portanto, um ateu pode ser uma pessoa moralmente correta, desde que esteja equivocado quanto ao seu ateísmo. Mas, se for mesmo o caso de Deus não existir, então ele não poderá fazer o certo, haja vista não existir nada a que se possa chamar de “certo”. Qualquer escolha moral que faça será apenas uma escolha entre tantas possíveis, sem nenhuma significação especial. Na verdade, nem se trata de escolha moral, já que a palavra moral nada representa nesse contexto. Se, por outro lado, Deus existir, tanto o crente quanto o ateu poderão escolher “fazer o certo porque é certo”.

Compreender isso foi o bastante para me reaproximar de uma concepção teísta. Isso porque nunca deixei de acreditar no certo e a desejá-lo, justamente por saber-me errado. A ideia de certo e errado é tão intuitiva que me parece impossível negar seu caráter de verdade. Não entendo, por exemplo, como torturar crianças pelo simples prazer de torturá-las poderia ser moralmente indiferente. Ou como dar abrigo e alimento a um necessitado poderia não ser algo objetivamente bom. Mas o que não entendo seria verdade se o ateu tivesse razão.

Com tais considerações, começo a explicar ao leitor porque voltei a acreditar em Deus. Digo começo a explicar porque essa conversa deve ser longa e não tenho pretensão de que você que me lê agora compreenda a dimensão do que estou dizendo em tão pouco tempo. É preciso aqui muita reflexão. É preciso mergulhar no problema. No entanto, tenho uma pretensão mais modesta: espero que o distinto leitor, neste final de ano, quando o clima de fraternidade paira no ar, deseje fazer o que é certo, e chegue a fazê-lo, sabendo que é certo.
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¹ Ensaio publicado na Revista Kukukaya, edição nº 3, de dezembro de 2013, acessível aqui.
² No texto original, erroneamente citei a Escola de Frankfurt. Esta desenvolveu um teoria crítica do mundo a partir de pressupostos marxistas. Queria me referia à Escola Francesa, da qual se destacam nomes como Michel Foucault e Jacques Derrida, pensadores da pós-modernidade.

            

sábado, 7 de dezembro de 2013

A praga do politicamente correto

Embora se deva sempre salientar a importância do hábito de ler, sobretudo em um país de poucos leitores, é fato que há certas publicações que não merecem ser lidas. Para Schopenhauer, “para ler o que é bom uma condição é não ler o que é ruim”, uma vez que “a vida é curta e o tempo e a energia são limitados”. Mas o filósofo não se permite abordar o tema de modo vago. Ele, por exemplo, afirma que “não há nada mais fácil do que escrever de modo que ninguém entenda”, em uma clara crítica aos que gostam de escrever de modo afetado, para demonstrar “erudição”. Também condena a prolixidade ao dizer que “utilizar-se de muitas palavras para expressar poucas ideias, é sinal infalível de mediocridade”. E como há escritores afetados e medíocres em nossos dias! Sim, há, mas, infelizmente, não temos a mesma liberdade de Schopenhauer de fazer tal denúncia em viva voz, uma vez que poderia ser entendido hoje como um dizer preconceituoso e antipático, afinal, é crença mais que arraigada na sociedade que todo mundo é talentoso e que qualquer juízo de valor revela uma estreiteza de visão de quem julga. É esse tipo de condicionamento mental a que todos somos submetidos desde o primeiro dia que pomos os pés na escola, e que é reforçado pelos meios de comunicação de massa. Mas nem tudo está perdido. Vez ou outra nos deparamos com uma obra que merece, de fato, nossa atenção. Uma obra na qual se percebe a preocupação do autor com a clareza, a objetividade e a determinação de não fazer qualquer concessão às suscetibilidades do leitor.  A este, se possível, o autor dispensaria com um piparote, ao modo de Machado de Assis.  É o caso de Guia politicamente incorreto da Filosofia, do filósofo Luís Felipe Pondé, publicado pela editora Leya Brasil.

Devo agradecer a uma amiga, a professora Clarissa Maranhão, a indicação do Guia. Na verdade, Clarissa, a quem aprendi a admirar pela seriedade, competência e criatividade com que vem conduzindo um trabalho de excelência na área da produção textual, postou no Facebook um comentário positivo a respeito do livro de Pondé, despertando-me o interesse. Costumo valorizar a opinião de pessoas inteligentes, especialmente quando escrevem bem. É o caso dela. Como não sou nada bobo, assim que pude, fui conferir o Guia. O livro é curto e a linguagem é de fácil compreensão, de modo que rapidamente o li. E gostei do que li.

No livro, Pondé denuncia a hipocrisia moral de nosso tempo: o discurso politicamente correto, ao qual ele chama de “praga PC”. De fato, trata-se de uma praga, haja vista sua capacidade de disseminação e seu poder destruidor.  Para entender o fenômeno, um caso concreto: em outubro deste ano, o autor foi convidado a compor uma mesa redonda na Feira Literária Internacional de Cachoeira (Flica), na Bahia, mas teve sua participação cancelada por falta de segurança. Não havia como garantir a integridade física de Pondé diante da animosidade de manifestantes esquerdistas que o consideram um reacionário de direita e, por isso, queriam cassar seu direito de falar. Queriam e conseguiram. Ora, mas o discurso esquerdista não é justamente a do pluralismo, do respeito à diversidade? Sim, claro: toleram-se todas as opiniões, desde que alinhadas com a esquerda festiva representada pelo Partido dos Trabalhadores. Mas que belo exemplo da praga PC!

O tema da mesa redonda seria “As imposições do amor ao indivíduo”. Penso que o título deve ter sido sugestão do próprio autor, uma vez que no Guia Politicamente Incorreto da Filosofia ele revela seu ceticismo em relação à ideia de que todos têm direito à felicidade, como se tal coisa pudesse se constituir em um benefício garantido pelo Estado, não se restringindo este a garantir o direito do indivíduo de buscar a própria felicidade. Tal equívoco tem origem em Rosseau, que acreditava na bondade natural do homem. O homem é um ser essencialmente amoroso – pensava ele –, e, se não é isso que se vê no dia a dia, a culpa está sempre nos outros, na sociedade que o corrompeu. Apesar de bonitinho, tal discurso, no mundo real, faz tanto sentido quanto as renas do Papai Noel no cenário do nascimento de Cristo. Como consequência desse otimismo ingênuo, vivemos um tempo em que, livres da tirania religiosa, salvos do engano do capitalismo selvagem e alforriados do culto à deusa razão, muitos redescobriram sua natureza bondosa e, com ela, a felicidade. Trata-se de pessoas virtuosas, superiores, e por isso mesmo emancipadas, sexualmente resolvidas, sensíveis, tolerantes, ecologicamente corretas, preocupadas com a injustiça social e amorosas com nosso próximo. Pode tanta perfeição? Pondé deixa claro: tudo isso é a marca visível de toda nossa hipocrisia, mau-caratismo e breguice. Como ele aborda essa ideia no livro? Só lendo para conferir.


quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O ateu das lacunas*


Em meu artigo anterior, defendi que é natural que, em momentos de crise, o ateu vacile quanto às suas convicções a respeito da inexistência de Deus. Nesse momento – afirmei –, sua capacidade racional fica comprometida e ele passa a pensar e a se comportar de modo mais emocional do que o costumeiro. Na ocasião, só queria dar uma resposta à habitual provocação de pessoas religiosas, que, no geral, afirmam que o ateu, quando está diante de uma situação desesperadora, acaba por renegar seu ateísmo, clamando pelo auxílio divino. Mas, se isso é verdade, em nada tal “conversão” tardia corrobora para a discussão a respeito da existência de Deus. Ora, posso clamar por Deus e, ainda assim, ser verdade que ele não exista. É isso que eu espero ter deixado claro. Aquele artigo, porém, embora publicado na primeira edição desta revista, foi escrito em outra época da minha vida, época em que eu assumia uma cosmovisão materialista. Publiquei-o aqui porque continuo defendendo as linhas gerais do que se acha nele escrito, mas hoje, estranhamente para alguns, voltei a acreditar em Deus. E é para falar sobre essa convicção que dedicarei os parágrafos seguintes.

Observe o leitor que usei a palavra convicção para definir meu retorno ao teísmo (crença em Deus). Sim, como quase todo ateu (Há mesmo necessidade do quase?), fui, em primeiro lugar, um crente. Mas, ao longo de 17 anos, assumi o ateísmo na esfera teórica ou prática. Ao longo de 17 anos critiquei toda forma de religião organizada. Ao longo de 17 anos achei que a crença em Deus era uma forma de escravizar mentes. Ao longo de 17 anos achei que uma pessoa inteligente e questionadora naturalmente acabaria ateia. Achei, durante todo esse tempo, que a humanidade estaria mais bem servida sem as “ilusões religiosas”. Hoje não penso mais assim. Mas o que aconteceu? Como explicar tal transformação? Como um ateu convicto torna-se um não menos convicto teísta? Interessante que esses foram os mesmos questionamentos que me fizeram quando eu, evangélico atuante, aos 17 anos abandonei a Igreja e passei a denunciar como engano e violência as ditas “verdades eternas”. Como é possível não mais crer em Deus? Curioso, nos dois casos, é a coincidência do tempo: 17 anos crente, 17 anos incrédulo. Agora, novamente crente. Não, não sou supersticioso. Trata-se mesmo de uma coincidência, embora interessante. Mas, para ser honesto, devo esclarecer uma coisa: estou incluindo na minha fase ateia todo o período em que me declarei agnóstico. Se o leitor não sabe, agnóstico é o indivíduo que admite seu desconhecimento, sua ignorância sobre certos temas. Ele não se vê capaz de posicionar-se quanto à existência de Deus. Deus existe? “Talvez”, ele dirá. Deus não existe? “Talvez”, dirá no mesmo tom. “Eu não sei”. Era isso que eu respondia sempre que perguntado sobre o tema. Incluo esse período agnóstico na minha fase ateísta porque, embora admitisse a possibilidade de Deus existir (ou não), a palavra Deus, para mim, já havia perdido, naquele momento, todo seu significado original.

Antes de continuar, acho prudente explicar melhor este ponto. Quando digo que Deus existe, o que quero afirmar com isso? O que é Deus? Essa pergunta deve anteceder à outra, mas rotineira: quem é Deus? Que o leitor perceba aqui que o uso do pronome quem já sugere uma resposta para o primeiro questionamento: para quem pergunta, Deus é um ser pessoal. Mas é essa ideia mesma que está presente na indagação Você acredita em Deus? O interlocutor que pergunta isso não está querendo saber se eu acredito em uma energia cósmica impessoal e destituída de intencionalidade. Em vez disso, deseja saber se eu acredito em uma teleologia subjacente a todo o universo. Existe um propósito na vida ou esta é resultante de forças cegas e aleatórias?  Enquanto agnóstico, era assim que eu concebia o Deus possível: uma energia primordial, cega e impessoal. Mas, definitivamente, Deus não é isso. Ou melhor, se eu defino Deus dessa forma, permaneço usando a palavra, mas meu “Talvez Deus exista” só pode se constituir em fonte de equívocos ao pretender-se uma resposta à pergunta do meu interlocutor. Estamos os dois a falar de coisas bem distintas. Se afirmo hoje que Deus existe, fique claro: estou afirmando, sem dúvida alguma, que um ser pessoal, onipotente, onisciente e onipresente existe.

Mas o espaço deste artigo é demasiado curto para que eu possa explicar a história da minha “reconversão” ao teísmo. Isso deverá ser explorado em artigos posteriores. Posso adiantar, no entanto, que pude concluir, após travar muitas discussões com teístas e ateus, assistir a diversos vídeos no Youtube, ler alguns artigos e livros, que não havia nada que fizesse do ateísmo uma concepção de vida racionalmente superior ao teísmo. Não se trata de uma perspectiva intelectualmente mais respeitável. Pude concluir, para espanto meu, que não há um só argumento positivo a favor do ateísmo. O ateu, no geral, assume sua (des)crença baseado na falta de razões suficientes para acreditar na existência de Deus. Quase todos declaram exatamente isso. Eu declarava. Trata-se de um ateísmo das lacunas. Ainda que fosse esse o caso, de modo algum, conforme declarou o ateu Carl Sagan, a ausência de evidência pode ser confundida com a evidência da ausência. Ora, Deus pode existir ainda que seja impossível prová-lo. Não obstante essa observação, há, sim, razões positivas para defender o teísmo, e sobre elas espero poder escrever em breve. Diferente do que muitos pensam, para chegar à conclusão de que Deus existe não é necessário ter fé.


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* Ensaio publicado na revista eletrônica Kukukaya, edição nº 2, de novembro de 2013, acessível aqui

domingo, 3 de novembro de 2013

Um poeta de palavra*

Amanheci hoje com o “Livro de palavra”, do poeta João Andrade. Li-o em cerca de uma hora e fui tomado por um sentimento paradoxal: um entusiasmo que sente necessidade de se conter. Explico-me.

Conheço o poeta e isso representa, ao mesmo tempo, um privilégio e uma limitação. Não há dúvida de que fazer parte do círculo de amizades de um grande escritor constitui-se um grande privilégio, uma oportunidade de ter contato com um singular modo de enxergar o mundo. Penso que os poetas têm, no geral, muito que dizer, além do que já tenham dito por meio dos seus poemas. No entanto, ser amigo de um poeta, sobretudo de um nome desconhecido do grande público (apesar dos prêmios literários que, merecidamente, conquistou), põe qualquer juízo sobre sua obra em suspeição. É como se fosse impossível transcender o registro da bajulação. Por esse motivo, prefiro, de regra, escrever sobre João Andrade como se não o conhecesse, ou melhor, como se o conhecesse tão-somente por meio de sua arte. É o que tentarei fazer brevemente agora:

A poesia de João Andrade é desconcertante, no sentido mais estrito da palavra. Usando as palavras de Torquato Neto, ela desafina “o coro dos contentes”, revelando, de forma harmoniosa, a desarmonia existente no peito do poeta. Ou seja, seu texto flui, revela um ritmo bem marcado, uma sintaxe descomplicada e uma prosódia nem um pouco forçada, o que aproxima o texto do leitor. Em um tempo em que a poesia, no geral, tem se tornado incomunicável, hermética, locus de experimentalismos incapazes de provocar qualquer experiência estética no leitor ou lugar comum de dadaísmos que, por nada dizerem, não fariam a menor falta se nunca tivessem sido postos no papel, João Andrade nos convida a trilhar as estradas do poetar. Seu texto não é apenas significante, mas também significa. Mas a escolha por ser de fácil leitura não é de modo algum a escolha pelo fácil. João não se deixa seduzir pela sereia que promete prazeres indescritíveis a quem apenas se entrega a seus encantos. Ele prefere cair nas ciladas de Cila ou no abismo de Caríbdes. João não busca o aplauso dos que gostam do óbvio, do folhetinesco, do já tantas vezes dito sempre do mesmo modo. Sua poesia não quer acalentar ninguém, pois seu canto não tem motivo:

Não há motivo para meu canto,
No entanto canto mesmo assim.
Não há razão para o espanto
E não espanto os males que há em mim.
Não há caminho por onde sigo
E o que digo não é bom ou ruim.
Palavras carrego em sigilo
E somente elas estarão comigo
No fim.

Ou seja, se é verdade que a poesia de João Andrade é de fácil leitura e comunica-se com o leitor, não é igualmente verdadeiro que a ele se entrega facilmente. Em vez disso, exige-lhe a reflexão, o sentimento, a busca da palavra, a procura da poesia. É isso que encontramos no seu mais novo livro.

OPS! Quase me esqueço: o "Livro de palavra" pode ser adquirido na livraria Nobel Salgado Filho.

*Texto postado no Facebook em 27 de outubro de 2013


Cenas de cinema

Li o 50 anos a mil. Editado pela Nova Fronteira, a autobiografia de João Luiz Woerdenbag Filho, mais conhecido como Lobão, é de provocar a reação mais bem traduzida pela expressão “é foda”. Não dá para falar diferente da escrita do cantor e compositor que se insurgiu contra, segundo suas palavras, a bundamolice que tomou conta da cultura brasileira. Lobão não é condescendente com o esquema de venda de discos das gravadoras, denuncia o jabaculê que tomou conta das rádios, não endossa o discurso politicamente correto e não tem papas na língua. Sua autobiografia virará filme, sob a direção do cineasta José Eduardo Belmonte.

Apelidado carinhosamente por familiares como “Xurupito”, o que era motivo de constrangimento público, Lobão passou a infância e início da adolescência tendo que conviver com uma doença rara nos rins, a nefrose e a superproteção materna. Curado dessa doença aos 12 anos, João Luiz terá que conviver ainda com convulsões epiléticas e com o tratamento à base de Rivotril. Aos 16 anos, é contratado como baterista do Vímana, banda de Lulu Santos que acompanhava as apresentações de Marília Pera. Nesse tempo, tem contato com as drogas, com as quais nunca chegou a ter uma relação patológica. Não chegou a concluir o Ensino Médio. Após o Vímana, Lobão integraria a Blitz, do Evandro Mesquista, mas romperia com a banda antes de sua consolidação no cenário musical. Em vez de participar do sucesso de uma banda juvenil, que, para ele, não difere muito das que existem hoje, Lobão resolve seguir carreira solo com o seu Cena de cinema. As canções do álbum serão motivo de desentendimentos com Herbert Vianna, a quem ele acusa de tê-lo plagiado. Blitz, Herbert, Caetano Veloso, Gil, etc. Muitos serão os artistas criticados por Lobão, ontem e hoje, o que não o torna de modo algum simpático. No entanto, tem igualmente uma relação muito positiva com outros artistas, como Cazuza, Ritchie, Lulu Santos, Marina, Paulinho da Viola, Elza Soares, etc. Lobão é preso algumas vezes por porte de drogas, briga com gravadoras, lança sua guerrilha vendendo CDs em bancas de revista, lança nomes como B Negão e Mombojó, é ignorado pela mídia, suas canções não tocam no rádio, é hostilizado no Rock in Rio devido a sua aproximação com o samba, entra na avenida com a Mangueira, pai e mãe cometem suicídio, tem relacionamentos afetivos tumultuados até conhecer Regina, a mulher de sua vida, com quem está até hoje, etc. A história de Lobão cabe mesmo em um filme.

A linguagem do livro é, no geral, bastante coloquial, o que dá certa impressão de sermos ouvintes da narrativa e não seus leitores. Se o conteúdo de 50 anos a mil já é interessante por si só, Lobão o torna ainda mais interessante ao não se esforçar por mostrar-se sob uma perspectiva favorável. As contribuições do jornalista Claudio Tognolli, nas seções “Lobão na mídia” dão credibilidade ao que é narrado. No momento em que artistas que construíram suas carreiras no diapasão da luta pela liberdade de expressão lutam agora pela censura na produção de biografias, Lobão deixa claro que não tem nada a esconder. Afinal, ele sabe o que quer e é essa certeza que faz o lobo gritar.


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Homens e parafusos

Este texto se concretizou com certo atraso. Gostaria de tê-lo escrito quando começou a ser em mim gestado, exatamente após a leitura de 1984, de George Orwell. Infelizmente, a urgência das atividades acadêmicas e profissionais levou-me a adiar sua escrita. Não obstante isso, imbuído de um forte sentimento inaugurado pela leitura do referido romance, escrevi um poema, o qual, apesar de minhas limitações no tocante a recursos técnicos e dramáticos, ousei declamar em uma gravação caseira, que disponibilizei no Youtube. Chama-se Poema para Winston Smith, e pode ser lido no meu livro digital Ex-camas e ex-pinhos:

Sinto-me partido
Como quebrado por força da idade
Sinto-me carcomido,
Como se desgastado com o tempo
Sinto-me vencido,
Como se perdido a validade
Sinto-me erodido
Como se exposto à chuva e ao vento

Sinto-me, enfim, como animal extinto
Como se um dia tivesse sentido
Como se estivesse, tivesse partido
Na verdade, eu não me sinto.
  
No geral, escrevo poemas para sentir melhor aquilo que eu sinto. Meus versos não querem dizer coisa alguma, embora quase sempre digam alguma coisa (Pelo menos, tenho tal ilusão). O que quero dizer é que escrever é minha forma de sentir as coisas, não de me explicar. Mas, sentindo dessa forma, tenho a esperança de que o leitor consiga sentir parte do que outrora senti ao me deparar com o mundo em dado momento, ou que se torne meu cúmplice nesse tipo de contravenção, sentindo, por sua vez, algo que não fui capaz de sentir, mas que estava, de algum modo, sugerido nos meus versos. A verdade é que não sou poeta, mas um leitor de poesia. Se dou a impressão de que sou poeta, é porque tornei-me capaz de codificar, em língua portuguesa, a poesia contida no tempo e no espaço, na qual me alfabetizei.  Todos meus poemas já estão escritos. Não é sem razão que Patativa poetiza: “pra todo lado que eu óio/ vejo um verso se bulir”. Assim, li o Poema para Winston Smith nas entrelinhas do romance de Orwell e logo me vi obrigado a codificá-lo de modo diferente, a traduzi-lo (Sim, meu poemas são traduções) na forma de um texto poético. Eu não podia me furtar à tarefa de fazer vicejar tais versos, pois sentia o protagonista de 1984 sussurrar em meus ouvidos sua confissão de completa nulidade, confissão que me exigia uma forma de exteriorização. Este texto é outro modo de exteriorizar a matéria que interiorizei, a qual misturei ao meu próprio modo de pensar e de sentir.

O romance de Orwell conta a história de Winston Smith, uma peça de engrenagem que aos poucos vai se descobrindo homem, individualizando-se em um tempo de homogeneidade, tempo em que a assunção da humanidade é considerada subversão. Esse personagem se torna um contraventor justamente por se revelar capaz de sentir e pensar além do que lhe é permitido.  Inserido em uma engrenagem que o domina de forma inexorável, ele se sente sufocado. Como peça dessa engrenagem, espera-se de Smith que se desumanize de vez, pois, uma vez sendo homem, não pode jamais se restringir ao papel que lhe é imposto pelo sistema opressor. Ser homem é não aceitar a homogeneização, é transgredir essa ordem. É pensar e sentir. Um parafuso não sente nem pensa e por isso pode ser apertado sem causar problemas. Orwell retrata um tempo em que um grupo de homens, representantes de um Estado totalitário, domina todos os outros de forma tirânica. Para esses, a conquista dessa supremacia não é um meio para alcançar escusos fins. Em vez disso, o poder é um valor em si mesmo. Tem-se amor pelo poder. Sendo assim, usa-se de qualquer expediente para conservá-lo, desde a cínica manipulação da informação à repressão mais violenta. Tudo pelo prazer de apertar até não mais poder os homens-parafuso.

Ironicamente, na sociedade que o desumaniza, a função de Smith é contribuir para o projeto desumanizador do Estado. Seu trabalho consiste em reescrever continuamente a história, falsificando documentos e relatórios, de modo a fazer todos crerem que o que aconteceu de fato nunca aconteceu, sendo a memória fruto de equívoco e ilusão. Não tendo referência alguma no passado, não sabe o homem quem ele é no presente e permanece parafuso.

Mas Winston Smith, ainda que não saiba quem de fato é no presente, não deixou de ser homem, não deixou de sentir e pensar como homem, e não será por outro motivo vítima de toda sorte de violência física e psicológica perpetrada pelos detentores do poder. Smith ousa pensar que tem memória do que realmente aconteceu. Ele ousa sentir que há algo errado, que há uma teia de mentiras na qual estão todos enredados. Poderia, no entanto, haver qualquer esperança para o despertar da consciência de humanidade em Smith diante de um Estado onipresente, onisciente e onipotente, que recria o mundo a cada instante, à sua imagem e semelhança? Como lutar contra o poder de tal deus que cria e destrói a seu bel-prazer? Como escapar da vigilância de uma polícia de ideias, tal como a retratada no romance? Como fazer qualquer coisa sem ser acompanhado pela olhar inquisidor do Grande Irmão, ícone de um claro (não necessariamente esclarecido) despotismo? Ou sem ser visto por uma teletela, no grande Big Brother que é a vida em um mundo em que todos são espiões do alheio, mundo em que há, conforme disse recentemente o roqueiro Lobão, abundância da mesma opinião? 

No entanto, o romance tem alguns momentos de esperança. Smith vive o amor, o sexo furtivo, a perspectiva de construir o futuro e o desejo de lutar contra a opressão. A poesia. Tais momentos, porém, são efêmeros, como efêmera é a vida humana se comparada ao universo. Logo o inatingível Estado-deus, conhecendo os desígnios de seu coração, castiga-o severamente, assim que começa a cometer os primeiros pecados contra a ordem estabelecida. Smith é então mordido, mastigado, quebrado, triturado, deglutido e digerido pelo sistema. Quando finalmente é excretado pelo aparelho estatal, nada mais sente. Winston Smith não é mais um homem. É agora parafuso, irremediavelmente um parafuso.


sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Oh, admirável mundo novo...

O que é o homem? Para Nietzsche, é qualquer coisa que precisa ser superada. Sua filosofia prenuncia a morte do homem, de modo a dar lugar ao Übermensch. Mas – pergunto-me – não sendo mais homem, o que é, afinal, o Übermensch? É algo sem dúvida melhor, uma expressão pura da vontade de potência? É um destino que inevitavelmente a humanidade trilhará? Mas Nietzsche também prenuncia a morte de Deus. E o que há além desse conceito? Algo melhor do que Deus? Algo que deveríamos desejar? Nietzsche crê que sim, uma vez que a crença em Deus seria uma manifestação do decadente platonismo que criou a ilusão da verdade, do negativo Cristianismo que teria levado o homem a renunciar seus instintos, reduzindo-o a uma forma de niilismo. Mas o que quer que Nietzsche tenha conseguido antever, não significa de modo algum a emancipação do homem. Liberto dos grilhões da verdade, livre das amarras dos valores morais e alforriado de Deus, constrói o além do homem sua própria ilusão de liberdade, mas persiste sua latente humanidade a reclamar algo mais que o Übermensch.

Foram essas as reflexões que me assaltaram assim que concluí a leitura do romance Admirável mundo novo, de Aldous Huxley (que, para minha surpresa, é neto do famoso “Buldogue de Darwin”, o biólogo inglês Thomas Henry Huxley, um dos maiores defensores da teoria da evolução, também responsável por cunhar o termo agnosticismo). Li o romance seguindo a indicação da amiga Norma Braga Venâncio, autora de A mente de Cristo – conversão e cosmovisão cristã, publicado pela editora Vida Nova. Em seu blog pessoal, acessível aqui, Norma lista alguns livros que a ajudaram a compreender nossa época, tão traspassada pela visão marxista, que, semelhantemente à filosofia do martelo de Nietzsche, promete romper com todas as estruturas estabelecidas para fazer surgir uma nova sociedade, um novo homem, sem dúvida melhor do que aquele que o antecedeu. Nietzsche e Marx: dois redentores da humanidade. Dois autores alemães que pretenderam apontar os caminhos que fariam o homem se libertar do homem e de Deus. Mas o que deixaram em seu lugar?

O romance de Huxley retrata uma sociedade futurista em que teria ocorrido a transmutação de todos os valores. O que hoje nos define como humanos é, nessa sociedade, algo odioso. Se os homens amam, importam-se com o próximo, sofrem e se angustiam diante da proximidade da morte, então tais coisas, nesse “admirável mundo novo”, estão completamente ausentes. O homem perde toda sua dignidade, reduzindo-se a um autômato, a um conglomerado de células sem muita importância. O que importa mesmo é o coletivo. E, se é assim, quando uma mera peça da engrenagem não funciona como deveria, basta substituí-la para garantir que a máquina social não entre em colapso. É isso que ocorre nos regimes totalitários que, paradoxalmente, sustentam um discurso redentor: o indivíduo não importa, daí poder ser sacrificado em nome de ideais revolucionários. Foi assim na França de Robespierre, foi assim na Rússia de Lênin.

Recentemente li nas páginas amarelas da revista Veja uma entrevista com o cantor e compositor Lobão. Ele denunciava o que chamou de “abundância da mesma opinião”. Referia-se à ideologia esquerdista, da qual não se é mais permitido discordar sem que se receba a acusação de reacionário. A esquerda, afinal, representa a revolução, a transformação da sociedade para melhor, enquanto que a reação significa a manutenção do status quo, o conformismo e a decadência. Na narrativa de Huxley, ocorre a mesma “abundância da mesma opinião”. Os homens, destituídos de sua natureza desde o nascimento, são condicionados a pensar da mesma forma. Nesse contexto, o defeituoso Bernad Marx e John, o selvagem (que, por ser selvagem, escapou do condicionamento), representam ameaças iminentes, que devem ser silenciados, desterrados e até, se preciso, eliminados. É como quem saiu da caverna e voltou para avisar aos demais que todos estavam vivendo em um mundo de sombras. Se se teme a luz do sol, é preciso garantir que ela nunca será vista, é preciso desacreditar os seus arautos ou, então, matá-los. As semelhanças com o marxismo cultural e o marxismo histórico não são meras coincidências.

O homem desde sempre almejou os prazeres sem qualquer freio moral, mas será isso de fato o melhor para si? Na sociedade imaginada por Huxley, o amor é livre, uma vez que ninguém é de ninguém e cada um pertence a todo mundo. No entanto, se relacionamentos desse tipo podem representar a garantia do gozo, também é verdade que reduzem os seres humanos a meros pedaços de carne. Perde-se o romantismo, o amor e toda a beleza. Em contrapartida, não se sofre. Uma mulher se deita com um homem, mas não constrói qualquer vínculo afetivo com ele. Na sociedade civilizada retratada no romance, a paixão é motivo de instabilidade, daí não ser estimulada de forma alguma. Um filho não chora a morte da mãe, uma vez que esta já foi destituída de seu papel. A família nada mais significa. O Estado agora a substituiu completamente.

Em todo caso, se, apesar de todas as precauções, o sofrimento advém, sempre se pode consolar com o soma, isto é, com a pílula da felicidade. O que não se pode é sofrer. Mas não seria isso ilusório? Sim, quando o homem destrói o próprio homem, a noção de verdade e Deus só pode mesmo criar para si uma ilusão de que está vivendo. E tudo nesse admirável mundo novo é, no final das contas, fuga, alienação, niilismo. Diferentes formas de aniquilamento.


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A divina música

Este texto foi escrito ao som dos prelúdios de Charles-Valentin Alkan. Para quem não sabe, prelúdio, inicialmente um gênero musical introdutório de obras maiores como óperas, no contexto da estética romântica passou também a designar peças feitas exclusivamente para serem executadas ao piano. Um dos grandes compositores do período romântico foi Chopin, sobre o qual se produziu um excelente filme, datado de 1945, ao qual pude assistir no primeiro semestre deste ano. A song to remember (em português, À noite sonhamos), dirigido por Charles Vidor, conta a história do músico polonês e sua relação tumultuada com a romancista George Sand, adepta da estética romântica e feminista. O filme, que teve 6 indicações ao Oscar, é uma bela película, capaz de comover o espectador, sobretudo pela excelente atuação de Cornel Wilde, que encarna o protagonista. Evidentemente, a própria música de Chopin penetra na alma, provocando arrebatamentos. As melodias suaves, intercaladas de notas mais incisivas, fizeram-me capitular diante da resistência em ouvir música, a simples música, a que nos fala sem necessidade alguma de letra. E como tenho feito descobertas depois disso! O compositor francês Charles-Valentin Alkan foi uma delas. Amigo pessoal de Chopin, Alkan foi um dos maiores pianistas de sua época. Enquanto escrevo estas linhas finais, sua música, vinda do meu quarto, envolve-me e me dá a certeza de que a vida esconde, sim, grandes mistérios. Nesses últimos meses, em que meu interesse tem se voltado para a transcendência, para a compreensão de que a existência não pode encerrar-se na matéria, a chamada música erudita soa-me como uma forte evidência da existência de Deus.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

"Olhai os lírios do campo..."

Um homem ressentido por sua condição social, inconformado com as vicissitudes de sua vida, revoltado com seu passado pobre, forma-se com muito sacrifício em Medicina e acaba ascendendo socialmente por meio de um casamento sem amor. Ao conhecer o sucesso, percebe que persiste seu vazio interior, sua vida sem sentido. Procura sentido nos prazeres. Tem relações fora do casamento. Esse homem, que sucumbiu ao seu próprio egoísmo, que não conseguia enxergar o próximo, só conhece um significado mais profundo para a existência quando contempla a morte. Trata-se da morte de um verdadeiro amor, de um sentimento puro e honesto, de uma mulher de alma simples, preterida em função de seu projeto de ascensão social. Essa mulher, que o amava deveras, com quem ele aprendeu a amar, deu-lhe um filho, deu-lhe uma vida, devolveu-lhe sua própria vida, ensinou-lhe, depois de morta, por meio de cartas escritas e nunca enviadas, a olhar para as pessoas como pessoas, a não se apegar às coisas materiais. Essa é, em linhas gerais, a narrativa de Olhai os lírios do campo, romance de Érico Veríssimo, publicado pela Companhia das Letras. O título do livro é uma referência a uma passagem bíblica: “Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam; E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles.”. (Mateus 6:28-29). Evidentemente Jesus não diz aqui que os homens não devem trabalhar, como os lírios, que não trabalham nem fiam. A mensagem não é de resignação, mas um convite à simplicidade, um convite a não colocar o objetivo da vida na conquista de “tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam” (Mateus 6:19). O romance de Érico Veríssimo aponta-nos para uma realidade transcendente, para algo além da matéria, onde o homem poderá encontrar, enfim,  uma existência plena.  Tive a oportunidade de lê-lo nos primeiros meses do ano e não posso negar que a narrativa me emocionou. Olhai os lírios do campo é uma obra que me fez relembrar o que é verdadeiramente o Cristianismo.


terça-feira, 27 de agosto de 2013

"Matem a todos. Deus reconhecerá os seus."

Um dos livros que tive a oportunidade de ler neste mês de agosto, Deus reconhecerá os seus – a história secreta dos cátaros¹, da professora aposentada Maria Nazareth Alvim de Barros, mestre em língua e literatura francesa, publicado pela editora Rocco em 2007, é leitura obrigatória para quem se interessa por História da Igreja. O livro trata da Cruzada Albigense, promovida no século XIII para combater os cristãos cátaros, considerados hereges pela ortodoxia da Igreja Romana. O Catarismo prosperou no sul da França durante os séculos XI e XII, sob a conivência da nobreza local, que, se não aderia à religião cátara, não fazia qualquer esforço para combatê-la efetivamente. Em plena Idade Média, quando o poder religioso e temporal se confundiam, era o que se esperava que fosse feito.

A autora apresenta o Catarismo sob uma perspectiva bastante positiva. Os cátaros são descritos como pessoas caridosas, tolerantes e perseverantes na fé. Por pregarem um evangelho que não precisa da intermediação da Igreja, sua doutrina é, por assim dizer, anticlerical, o que, evidentemente, atingiu os brios de Roma.

É possível que, não se preocupando por expor exatamente as crenças dos cátaros, a autora tenha optado por uma linha que fatalmente levaria o leitor a ser simpático ao Catarismo. Apesar disso, ainda que houvesse algo de muito perigoso na teologia cátara, como a crença de que o corpo material é impuro e uma prisão da alma, o que os tornaria favoráveis ao suicídio (tal alegação, pelo que pude investigar, é feita apenas por autores católicos), não se pode negar o quanto a Cruzada Albigense foi uma repressão violenta aos considerados inimigos da Santa Sé. Trata-se de mais uma mancha na já muito suja ficha corrida da Igreja Católica. Diante das tentativas atuais da Igreja de reescrever a História, de modo a tornar razoáveis todas as formas de violência empregadas ao longo da Idade Média, Deus reconhecerá os seus, com sua linguagem de fácil compreensão, presta um importante serviço à construção de uma verdade sobre os fatos. Pelo menos é um ponto de partida para uma investigação histórica mais consistente.
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¹ Para entender o título do livro: na investida contra a cidade de Beziers, onde ocorreu um verdadeiro massacre da população, ao ser questionado sobre como seria possível distinguir católicos de hereges, o abade  de Citeaux respondeu: "Matem a todos. Deus reconhecerá os seus." 

sábado, 30 de março de 2013

A autonomia da ética

Leia o texto do prof. David O. Brink para tornar a discussão sobre a moralidade ainda mais interessante. Basta clicar na sua imagem abaixo para ser direcionado para seu artigo sobre a autonomia da Ética:

PhD em Filosofia e Diretor do Instituto de Direito e Filosofia  na Universidade de San Diego, School  of Law.  Professor do Departamento de Filosofia na Universidade da Califórnia, San Diego. Editor da revista Teoria Jurídica

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Como nasce um ateu


            O homem é naturalmente crédulo. Diferente do que defende muitos de meus pares, não creio que sem a influência da família (ou da sociedade como um todo) no sentido de transmitir certas ideias religiosas às crianças, estas não desenvolveriam, por si mesmas, quaisquer ideias nesse sentido. Basta considerar que a curiosidade natural e a busca pela compreensão do mundo se esbarram em certos obstáculos instransponíveis, pelo menos aparentemente, para considerarmos a alta probabilidade de um ser humano suspeitar a existência de algo além da matéria. O fato é que a vida é marcada por tantos mistérios, há tanto que a ciência não explicou ou, talvez, jamais conseguirá explicar, que haverá sempre a brecha para que, em algum momento, alguém tenha uma “iluminação especial”, um “entendimento além dos sentidos”, um “insight”, uma “visão mística”, um “êxtase”, enfim, qualquer forma de compreensão do universo que transcenda o mundo físico. Não foi isso mesmo que teria ocorrido no mundo primitivo? O homem, diante do inexplicável, criando o divino a “sua imagem e semelhança”? O homem, espantado com as forças da natureza, concebendo um ser acima dele, mas, ao mesmo tempo, acessível, com o qual poderia manter um relacionamento, com o qual poderia, assim, negociar sua “salvação” neste mundo tão hostil? Concebendo um deus pessoal e acessível, pode o homem tentar aplacar-lhe a ira, de modo a evitar o indesejável e obter o desejável à sua sobrevivência. Não é assim que se explica, sob as lentes da Antropologia, a origem da religião? É importante que se diga que a religião surgiu na infância da humanidade, ou seja, quando o homem não poderia ser influenciado por ideias religiosas pré-existentes. Apesar disso, não faz sentido dizer que o homem primitivo tenha sido originariamente ateu, uma vez que, para sê-lo, teria primeiro que criar o conceito de Deus. Só depois poderia negá-lo.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

AFASTAMENTO

Ficarei afastado um tempo do blog para tratar uma crise de tendinite. Assim que for possível, volto a postar novos artigos. Leia o material disponível e comente-o à vontade. Um abraço a todos.

Sérgio Santos

domingo, 13 de janeiro de 2013

A subjetiva moral cristã


            O crente comum difere em muito do teólogo. É verdade que ambos creem em Deus, ambos têm fé e estão certos de que, por meio dela, religar-se-ão a Deus, de quem foram afastados pelo pecado. Ambos creem que por meio da prática religiosa (na acepção original do termo) poderão reconquistar o paraíso perdido, onde, finalmente, após vencer as agruras desta vida, desfrutarão de uma bem-aventurança sem fim. Ambos creem que há, sim, um Deus, que se revelou aos homens, oferecendo-lhes uma saída para evitar a consequência natural da sua condição pecaminosa, isto é, a danação eterna ou, segundo alguns credos, a aniquilação definitiva. Ambos acreditam na autoridade das Escrituras Sagradas, as quais teriam sido escritas sob inspiração divina para revelar aos homens todo esse plano de redenção arquitetado pela Suprema Bondade do Universo. Ambos procuram viver os ensinamentos desse livro, ou melhor, os ensinamentos do Cristo, que é, no final das contas, o próprio Deus. Ambos entendem ser seu dever enquanto cristãos propagar o que seria as verdades do Cristianismo. No entanto, enquanto o crente comum acredita em tudo isso tão-somente por um ato de fé, alicerçado em sua crença de que Deus se revela aos homens, seja de forma direta, por meio de sonhos e visões, seja de forma indireta, por meio da sua Palavra, o teólogo converte o próprio Deus em objeto de conhecimento e, fazendo isso, procura submetê-lo ao crivo de uma metodologia pretensamente científica ou, se isso não parece possível, ao crivo da especulação de natureza filosófica. Tudo para demonstrar que a revelação é, afinal, defensável do ponto de vista acadêmico, merecendo, assim, o respeito concedido a quaisquer teorias científicas ou sistemas filosóficos. Desse modo, se o crente comum crê que Deus existe, o teólogo não se limita a crer: ele sabe que a proposição “Deus existe” é logicamente válida e verdadeira enquanto conhecimento seguro. Ele está convencido disso de tal maneira que se vê capaz de demonstrá-lo ao mais cético dos homens. O teólogo tem, além de fé, firmes convicções. Sua crença em Deus apresenta uma justificação racional. Como ateu e interessado na análise do discurso religioso, tenho feito um grande esforço para compreender as razões para o estabelecimento de tal convicção, e, nesse caminho, tenho procurado entender em que consistem tais justificativas racionais para a fé. Não é por outro motivo que tenho feito continuamente concessões aos argumentos pró-teísmo, nos pontos em que me parece possível transigir, a fim de alcançar sua amplitude e acompanhar suas implicações. Neste artigo, resolvi lançar mão desse procedimento na apreciação do argumento moral para provar a existência de Deus, o qual é concebido como o padrão objetivo da moralidade. O argumento normalmente é proposto como um desafio aos céticos e aos defensores de uma ética sem Deus ou de uma moralidade relativa. Espero que o caro leitor possa compreender o cerne da argumentação e refletir nas considerações que se seguem.