terça-feira, 27 de agosto de 2013

"Matem a todos. Deus reconhecerá os seus."

Um dos livros que tive a oportunidade de ler neste mês de agosto, Deus reconhecerá os seus – a história secreta dos cátaros¹, da professora aposentada Maria Nazareth Alvim de Barros, mestre em língua e literatura francesa, publicado pela editora Rocco em 2007, é leitura obrigatória para quem se interessa por História da Igreja. O livro trata da Cruzada Albigense, promovida no século XIII para combater os cristãos cátaros, considerados hereges pela ortodoxia da Igreja Romana. O Catarismo prosperou no sul da França durante os séculos XI e XII, sob a conivência da nobreza local, que, se não aderia à religião cátara, não fazia qualquer esforço para combatê-la efetivamente. Em plena Idade Média, quando o poder religioso e temporal se confundiam, era o que se esperava que fosse feito.

A autora apresenta o Catarismo sob uma perspectiva bastante positiva. Os cátaros são descritos como pessoas caridosas, tolerantes e perseverantes na fé. Por pregarem um evangelho que não precisa da intermediação da Igreja, sua doutrina é, por assim dizer, anticlerical, o que, evidentemente, atingiu os brios de Roma.

É possível que, não se preocupando por expor exatamente as crenças dos cátaros, a autora tenha optado por uma linha que fatalmente levaria o leitor a ser simpático ao Catarismo. Apesar disso, ainda que houvesse algo de muito perigoso na teologia cátara, como a crença de que o corpo material é impuro e uma prisão da alma, o que os tornaria favoráveis ao suicídio (tal alegação, pelo que pude investigar, é feita apenas por autores católicos), não se pode negar o quanto a Cruzada Albigense foi uma repressão violenta aos considerados inimigos da Santa Sé. Trata-se de mais uma mancha na já muito suja ficha corrida da Igreja Católica. Diante das tentativas atuais da Igreja de reescrever a História, de modo a tornar razoáveis todas as formas de violência empregadas ao longo da Idade Média, Deus reconhecerá os seus, com sua linguagem de fácil compreensão, presta um importante serviço à construção de uma verdade sobre os fatos. Pelo menos é um ponto de partida para uma investigação histórica mais consistente.
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¹ Para entender o título do livro: na investida contra a cidade de Beziers, onde ocorreu um verdadeiro massacre da população, ao ser questionado sobre como seria possível distinguir católicos de hereges, o abade  de Citeaux respondeu: "Matem a todos. Deus reconhecerá os seus." 

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