segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A violência contra homossexuais e a suposta culpa do Cristianismo

Não me considero um especialista em Cristianismo. Apesar disso, vejo-me na condição de falar com certa propriedade a respeito da religião que moldou a cultura ocidental. Durante os primeiros 17 anos da minha vida dividi-me entre a profissão de fé católica (até os 11 anos) e a protestante (dos 12 os 17), mas precisamente como membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Nos 17 anos seguintes, ao me converter ao ateísmo, dediquei-me à “militância” contra qualquer ideia religiosa. Escrevo converter sem aspas por hoje compreender de outro modo como se dá a assunção de uma cosmovisão ateísta, sobre o que já falei em ensaios anteriores (disponível aqui e aqui). Escrevo militância, por sua vez, entre aspas, porque julgo que não cheguei a me tornar um missionário às avessas, preocupado em conquistar prosélitos para uma causa superior. No entanto, sempre que havia oportunidade para falar de religião, desferia toda minha condenação contra o fenômeno religioso, o qual seria responsável por todo atraso e violência existente no mundo. Meu anátema era mais contundente quando se referia ao Cristianismo, que teria sacrificado muitos homens da Ciência no altar da Inquisição (Nunca obtive um só exemplo disso, mas...). Esquecia-me, porém, em minha crítica à maior religião do planeta, que, para fazer uma análise mais honesta e científica desse objeto, deveria me apropriar do modo mesmo como o cristão enxerga o mundo. Ou seja, deveria compreender bem o que era de fato o Cristianismo, e não o que eu pensava que deveria ser ou julgava que fosse. Ora, quando criticava o Cristianismo, invariavelmente não o fazia a partir da minha experiência anterior como cristão, mas a partir de uma leitura do Cristianismo feita por seus críticos. Hoje compreendo isso.

É claro: o Cristianismo é criticável. Longe de mim dizer o contrário. Penso até que a maior crítica já feita a ele provém de Nietzsche. O filósofo alemão considerava-o uma religião de ressentidos, uma forma de platonismo que, negando os valores do presente em função de uma imaginária bem-aventurança no porvir, acabava conduzindo a humanidade a um tipo de niilismo. Apesar dessa crítica, a filosofia de Nietzsche era, essencialmente, niilista. De qualquer forma, quando Nietzsche criticava o Cristianismo, ele falava a partir de ideias verdadeiramente cristãs: a mensagem de dar a outra face, o deus que se deixa morrer na cruz, a crença na salvação da alma, a negação dos valores seculares em vista de valores superiores e celestiais, etc. Nietzsche criticou a essência mesma do Cristianismo e não o que lhe era periférico ou até mesmo falso. Talvez seja o caso de a crítica do autor de O Anticristo carecer de sustentação, mas ninguém poderá acusá-lo de ignorância sobre o assunto de que trata ou de desonestidade intelectual, uma vez que nunca precisou criar um espantalho cristão para facilitar sua crítica demolidora. Nietzsche conhecia o Cristianismo muito bem e de perto.

Mas quando escuto alguém alertar para o perigo que o discurso cristão representa para as minorias e oprimidos do mundo, creio que quem fala está tratando de qualquer coisa, menos do Cristianismo. Bem, vejamos: um amigo me fala que é a influência da religião cristã, com seus preconceitos contra os homossexuais, a responsável pela violência praticada contra essa minoria. Nesse caso, houvesse um mundo em que as pessoas pudessem estar salvaguardadas de tal influência nefasta, possivelmente não haveria agressões sistemáticas a homossexuais. Seria possível isso? Estou disposto a enveredar por essa hipótese. Então, vamos lá:

Suponho que meu amigo não queria se referir a um mundo em que o Cristianismo fosse simplesmente eliminado. Evidentemente, sem a hegemonia cristã, o espaço vazio seria ocupado imediatamente pelo Islamismo, a segunda maior religião mundial. Mas, apesar das campanhas de tolerância ao Islã hoje em curso no Ocidente, as quais tentam construir a ideia de que se trata de uma religião de paz (o terrorismo seria obra de uma minoria extremista), todos sabemos o que acontece com os homossexuais nas terras dos aiatolás. Para os desinformados, julgo que é suficiente registrar que na Arábia Saudita, no Sudão e na Somália, por exemplo, a homossexualidade é punida com pena de morte. É claro que sempre se poderia imaginar a hegemonia de outra religião, com um discurso menos opressor, mas, suponho, não era isso a que meu amigo se referia, mas a um mundo sem o Cristianismo ou qualquer outra religião, tal como imaginava John Lennon. Para não perdermos tempo com ficções, analisarei essa proposta à luz de fatos reais e históricos.

Serei direto: a história do Comunismo desmente a tese segundo a qual há uma relação necessária entre uma sociedade sem religião e um mundo mais harmônico e igualitário. O Comunismo é essencialmente ateu e se sustenta em uma concepção materialista da história humana: o motor que a conduz é a luta de classes. Nesse contexto, não há espaço para a transcendência. Foi justamente esse aspecto que Karl Marx ignorou em Hegel, adotando apenas sua dialética. Um mundo mais justo e igualitário deve ser conquistado pelos oprimidos a partir de uma revolução, isto é, sem qualquer intervenção divina. A construção do paraíso na Terra prescinde de Deus. Dessa forma, a religião acaba se revelando como fator de alienação (o “ópio do povo”), sendo, por essa razão, contra-revolucionária, daí ter que ser combatida. Onde o Comunismo imperou, foi justamente isso o que aconteceu. E quanto aos homossexuais? O que aconteceu com essa minoria nos países comunistas? Foram incluídos nessa sociedade ideal em que o leão pasta alegremente ao lado do cordeiro? Absolutamente! Em vez disso, foram duramente perseguidos, presos, submetidos a trabalhos forçados, onde encontraram, na maioria das vezes, a morte. Mas como explicar isso? Ora, com o Stalinismo, a homossexualidade passou a ser entendida como contra-revolucionária e “uma manifestação da decadência da burguesia”. Leia-se o que se acha escrito na Grande Enciclopedia Soviética, editada pelo governo soviético:

“A origem do homossexualismo é ligada às circunstâncias sociais quotidianas, para a grande maioria das pessoas que se dedicam ao homossexualismo, tais perversões se interrompem tão logo que a pessoa se encontre em um ambiente social favorável (…) Na sociedade soviética, com os seus costumes sadios, o homossexualismo é visto como uma perversão sexual e é considerado vergonhoso e criminal. A legislação penal soviética considera o homossexualismo punível, com a exceção daqueles casos nos quais o mesmo seja manifestação de uma profunda desordem psíquica.”

Durante o governo revolucionário de Stálin, a homossexualidade só não era punível em se tratando de casos patológicos.  É interessante saber que muitos artigos contra a homossexualidade foram inseridos em todos os códigos penais das Repúblicas Soviéticas! Ou seja: ainda sem a influência do Cristianismo ou de qualquer outra religião, poderíamos ter do mesmo modo a violência contra os homossexuais se manifestando na sociedade e de forma sistemática. Mas talvez isso ainda não seja suficiente para convencer o meu amigo. Ele talvez raciocine que o Comunismo funcionava, de certa forma, como uma religião de estado e, por essa razão, meu exemplo seria ilegítimo. Talvez seja o caso de eu imaginar um mundo em que todos sejam educados pelos mais belos princípios humanistas. Tentarei enveredar, então, por esse mundo utópico.

Sim, não posso me furtar ao direito de afirmar que tal mundo é utópico, uma vez que nenhuma civilização humana jamais se estabeleceu sem o alicerce de uma religião. Mas não custa nada fazer um esforço para tentar entender o raciocínio aqui. Um mundo só com princípios humanistas. Ok. Remeto-me imediatamente a Jean Jacques Rousseau. O filósofo da era da razão, odiado por tantos que o conheceram pessoalmente, de certa forma recupera a auto-estima do ser humano ao enunciar que todo homem nasce bom, sendo em seguida corrompido pela sociedade, invertendo a mensagem cristã do pecado original, segundo a qual nascemos com uma natureza fundamentalmente má. Parece-me que Rousseau, nesse caso, acreditava na tese do meu amigo. Ora, segundo ele, não fosse a influência nefasta da sociedade, o homem revelaria toda sua bonomia. No entanto, pelo que se sabe, nem Rousseau escapou de tanta corrupção. Sua bondade se manifestou em seu gesto de dar todos os cinco filhos que tivera com uma amante para a adoção alguns anos antes de escrever um livro em que ensina como se deve educar as crianças.  Um comunista, parodiando Rousseau, dirá: não fosse o capitalismo, viveríamos em um mundo mais justo e igualitário. Tudo o que o Comunismo fez, no entanto, foi criar uma igualdade tal qual Orwell descreve em sua Revolução dos bichos: todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros. Continuando a parodiar Rousseau, não fosse o Cristianismo, então teríamos um mundo em que homossexuais e demais minorias não seriam vítimas da opressão. É isso que você defende, meu amigo? Não creio que se sustente a tese de Rousseau. A História nos concede inúmeros exemplos da nossa maldade essencial. Da propensão do ser humano para o erro e o vício. Essa é a regra geral. Mas voltarei a esse ponto. Antes, porém, desejo discutir outra coisa: será mesmo que o Cristianismo justifica a violência contra homossexuais? Tal mensagem de ódio está contida nos evangelhos?

Iniciei este texto ponderando que era preciso analisar o Cristianismo a partir do próprio Cristianismo e não a partir da visão de seus críticos. Achei necessário repetir isso agora. Meu amigo cita passagens bíblicas em que se ordena que homossexuais sejam mortos. Não me interessa, neste momento, proceder com uma exegese de tais passagens do texto bíblico para demonstrar que sua interpretação é equivocada. Nem sequer fui conferir se tais passagens existem do modo como foram evocadas. Deixo isso para os apologistas cristãos. O problema, para mim, é de ordem mais grave. O equívoco do meu amigo é criticar o Cristianismo a partir do que ele julga que seria coerente o cristão defender, não a partir do que este de fato defende. Bem, se há uma passagem do livro sagrado do Cristianismo que ordena o assassinato de homossexuais, então parece razoável concluir que é isso exatamente o que cristãos defendem. Sério? É isso que o evangélico ouve no culto e na escola dominical? É isso que o católico aprende na missa ou quando se prepara para a primeira comunhão? Nos 17 anos em que professei a religião cristã jamais tive conhecimento de qualquer discurso no qual pudesse haver, mesmo nas entrelinhas, qualquer animosidade contra os homossexuais. Ainda que em certos casos a homossexualidade seja motivo de escândalo entre os cristãos, como muitas outras coisas evidentemente são, não há, dentro do Cristianismo, a ideia de que o cristão deve punir o pecador em virtude de seu pecado. Tal ação cabe somente a Deus. O escândalo do cristão deve-se, segundo a Bíblia, à sua debilidade espiritual. Quando Jesus andava e comia com pecadores era motivo de escândalo entre os primeiros cristãos, que também eram pecadores, mas tinham de ser lembrados disso de vez em quando. Uma das faces do evangelho cristão é anunciar que nenhum ser humano presta. Entender isso é o primeiro passo para alcançar o Paraíso.

Presumo que o cristão tem suas razões para não levar para a vida prática o que se acha escrito sobre os homossexuais no Antigo Testamento. Não se trata de um Cristianismo self-service, como meu amigo parece pensar. Não é o caso de o cristão escolher na Bíblia apenas o que lhe convém defender. Existe, na verdade, todo um conhecimento teológico historicamente construído que orienta essa leitura. Acontece que poucos são os críticos com paciência e interesse suficientes para mergulhar nesse universo. E, como não o fazem, acabam por falar sobre o que desconhecem completamente. Por puro preconceito, supõem que não pode haver qualquer razoabilidade nessas explicações, daí não se prestarem a ouvir o que um estudioso das escrituras hebraicas e gregas poderia ensinar a um leigo a respeito de certas leis do Antigo Testamento. Existe, por exemplo, uma corrente denominada Dispensacionismo, que aponta as diversas formas como o plano de Deus se manifestou através dos séculos. Segundo essa corrente, entender que vivemos sob uma determinada Dispensação é o caminho para uma leitura adequada de um texto escrito sob outra. O Dispensacionismo concorre com outras correntes interpretativas, sobre as quais não me proponho a discorrer aqui. Os adventistas, por exemplo, têm sua própria linha de interpretação, segundo a qual se distinguem na Bíblia leis civis, cerimoniais e morais. As leis morais, escritas pelo próprio dedo de Deus e entregues a Moisés em tábuas de pedra seriam as únicas de caráter permanente. As demais existiram em certas circunstâncias e para cumprir determinados propósitos. Concedo ao meu amigo que ache despropositadas todas essas leituras e identifique nelas uma tentativa de se acomodar o texto bíblico a um tempo em que preconceitos no geral são vistos como ignorância e atraso. Nesse caso, segundo a Bíblia, o homossexual deveria mesmo ser morto, apesar de o cristão não assumir esse discurso e, para não assumi-lo, utilizar-se de contorcionismos interpretativos. Só não concedo ao meu amigo que afirme que o Cristianismo ensina isso efetivamente ou que dele se possa deduzir tal conclusão. O Cristianismo pode ter seu próprio discurso, independentemente de seus acólitos procederem ou não com uma interpretação fiel do texto bíblico, a qual o meu amigo parece perseguir com peserverança.

É curioso para mim que a compaixão cristã, tão condenada por Nietzsche, seja um aspecto negado por quem identifica no Cristianismo uma mensagem de ódio contra os homossexuais.

Mas, apesar de não existir uma mensagem de ódio contra os homossexuais no Cristianismo, ainda se debita na sua conta a violência de que esse grupo é vítima no país. Um homossexual é espancado? É morto? A culpa deve ser da condenação cristã à homossexualidade, inoculada na mente de todos nascidos sob a influência nefasta dessa religião: quase a totalidade dos brasileiros. Como assim? Uma pessoa agride fisicamente outra, chega a matá-la, pelo simples fato de ser homossexual e a culpa é do Cristianismo? Pobre do agressor, que não teve oportunidade de ter uma educação humanista higienizada da sujeirada cristã! Caso contrário, jamais teria cometido tal ato. A primeira vítima, no caso, deve ser ele, o agressor, e não o homossexual, o agredido. Este também, enquanto vítima, deve ser incluído na contabilidade dos pecados do Cristianismo. Mas, amigo, não se vê aqui o que você denunciou como Cristianismo self-service? Se o Cristianismo defende que a homossexualidade é algo abominável aos olhos de Deus, não defende esse mesmo Cristianismo a amar até mesmo os inimigos? Não ensina a oferecer a outra face? Não ensina a ter compaixão com os pecadores? Como alguém poderia partir para a agressão física justificado pelo Cristianismo?

Sabe qual é o problema? Vivemos sob uma cultura da vitimização, ancorada na ideia equivocada e ingênua de Rousseau (Prometi que voltaria a ele.), de onde também bebeu Marx. Tirando todas as influências da cultura, da religião, do capitalismo, dos videogames, da televisão, etc., o homem será bom, reencontrando-se o seu estado de natureza. Alguém roubou, matou, sequestrou? É culpa do Capitalismo. Alguém abriu fogo em um cinema? A culpa deve ser dos malditos videogames. Alguém espancou e torturou um homossexual? A culpa certamente é do Cristianismo. Sem revelar uma relação necessária entre causa e efeito, proferem-se discursos contundentes contra a religião cristã, demonizando-a, criando uma atmosfera de preconceito contra quem a professe. As consequências desse discurso já podem ser percebidas, mas sobre isso falarei em outro texto.

Há algo que não compreendo e sobre isso já falei muitas vezes. O crítico materialista na sua sanha antirreligiosa parece não se dar conta da enorme confusão em que se meteu. Ora, pois, sob que bases morais ele se propõe a defender o direito de minorias como os homossexuais? Ao fazer tal defesa, ele está defendendo certa moral, mas se for o caso de tudo se resumir à matéria, então não há escapatória: recairemos inevitavelmente em um subjetivismo ético. E, se não há uma verdade moral válida para todos, por que o homossexual deveria ser respeitado? Por que deveríamos condenar seu agressor? Não vejo o que se possa dizer a respeito que seja razoável, mas estou disposto a ouvir as explicações de quem se propuser a fornecê-las. Para o cristão a coisa é mais simples: agir com bondade e compaixão com o pecador é um imperativo categórico. Deus é um ser moral e é à luz disso que o ser humano descobre a moralidade. Algo é bom porque espelha a natureza de Deus. E Deus é bom. Portanto, o Cristianismo apresenta uma base moral sólida a partir da qual o homossexual pode ser defendido de qualquer tipo de violência. O materialismo não pode fornecer isso.

A violência contra os homossexuais pode ser melhor compreendida no contexto do relativismo moral que impera em nossos dias. Quando se fala da degradação moral característica de nosso tempo não se deve entender que o homem moderno se entregou mais ao vício do que o homem da Idade Média ou Antiga. Pode até ser que sim, mas há bastantes controvérsias a respeito. Prefiro não me arriscar. O fato é que o homem é propenso ao vício desde o começo dos tempos e isso não deve mudar até, pelo menos, a volta de Cristo, caso os cristãos tenham razão em sua escatologia. A degradação moral consiste efetivamente na perda gradativa de uma consciência moral. A questão não é errar, mas não reconhecer mais o erro. É esquecer mesmo a ideia de erro. É negar que tal palavra seja constituída de significado. E, quando isso ocorre, qualquer coisa serve como justificativa para qualquer comportamento moral. Até mesmo agredir e matar homossexuais.


sábado, 21 de dezembro de 2013

Um antídoto para a idiotice

Idiota. No geral, entende-se a palavra como um xingamento. De acordo com o Houaiss, é algo que se diz da “pessoa que carece de inteligência, de discernimento; tolo, ignorante, estúpido” ou ainda “pessoa pretensiosa, vaidosa, tola”. É fácil constatar que o uso comum não difere do dicionarizado. Chamar alguém de idiota é convocá-lo para uma briga. Ou seja, não é nada lisonjeiro. Etimologicamente, porém, idiota remete à raiz idios, que significa próprio, sendo o idiota, no passado, aquele indivíduo que se dedicava apenas ao que lhe é próprio, privado, particular, tornando-se alheio ao que é de interesse público e geral. O idiota é alguém preso no seu mundinho e que não participa do que acontece ao seu entorno. É nesse sentido que Olavo de Carvalho usa a palavra no seu mais novo livro, O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota, lançado neste ano pela editora Record. Nele encontramos 193 ensaios escritos pelo filósofo entre 1997 e 2013 e publicados nos mais diferentes jornais do país. Os textos versam sobre política e fornecem ao leitor, como o título promete, o mínimo para que este transcenda o lugar comum da análise política ordinária, já tão viciada por anos de doutrinação ideológica esquerdizante, e amplie seus próprios horizontes.

Para as mentes mais suscetíveis, o título do livro parecerá, de todo modo, arrogante. Ao prometer o mínimo para não ser um idiota, o autor deixa sugerido que não pertence ao grupo de idiotas, o que lhe confere certo ar superior. O título, assim, ganha um tom professoral, alçando o autor na condição de quem sabe algo desconhecido pelos demais. Mas é justamente esse o objetivo de Olavo de Carvalho: levar o leitor à compreensão de que tem algo a dizer que ele, leitor, talvez não chegue a saber de outro modo. Sem preocupar-se em ser mal compreendido ou tachado como louco, Olavo age como o indivíduo que, escapando da caverna de Platão e alcançando pela primeira vez a verdade solar, volta ao mundo das sombras para anunciar aos que lá ficaram que a realidade é muito maior e mais profunda do que eles poderiam supor. Infelizmente, sabemos o que acontece no mito platônico com os que enxergam mais que os outros. Olavo fala com a autoridade de quem conhece os dois mundos e que aprendeu a língua de ambos.

O livro inteiro é uma denúncia. O que Olavo de Carvalho procura revelar ao longo de 615 páginas é o modus operandi da militância de esquerda, que, seguindo a cartilha de Antonio Gramsci, age de modo programático, de forma paulatina e indolor, em prol da instauração de uma nova ordem mundial regida pela ideologia comunista. Esta, cuja morte foi equivocadamente decretada com a derrocada do projeto socialista soviético, nunca esteve tão viva, crescendo de modo parasitário nas universidades, nas redações de jornais e no mercado editorial, reproduzindo-se por meio da produção científica, artística e cultural: dissertações, teses, poesia, música popular, cinema, etc. – tudo traspassado pela perspectiva marxista de luta de classes. Nesse panorama, não existe espaço para a leitura de um von Mises, por exemplo. Ou de um Hayek. Ou um David Landes.

Segundo Olavo de Carvalho, uma vez que a estratégia da luta armada não se mostrou eficaz, a esquerda entendeu que era preciso inocular o Comunismo na mente das pessoas por meio de expedientes mais sutis: seria suficiente mentir e omitir a verdade do indivíduo de forma sistemática, de modo que este só consiga raciocinar a partir das categorias de pensamento a que é apresentado durante sua formação escolar e acadêmica. Toda a realidade existente passa a ser, portanto, a realidade conforme o Partido. O indivíduo, assim, torna-se um idiota e em todos os sentidos. Um idiota que acredita apenas no que seu limitado conhecimento consegue alcançar, ou seja, no que aprendeu em livros de doutrinação esquerdista, no que sabe “de ouvido” ou no que lê em sites como a Wikipedia.

Olavo alerta ainda para a estratégia usada pela esquerda para fugir ao debate. Em vez de mostrar o erro do adversário, procura tornar ilegítima qualquer coisa que este venha a dizer. A solução é simples: basta chamá-lo de direitista, fascista, reacionário, defensor da ditadura, tucano, burguês ou inimigo do povo. Basta mostrá-lo como louco, um propagador de teorias conspiratórias e pronto! – Não é necessário dizer mais nada. Poderá haver estratégia melhor?

Muitos são os temas abordados pelo também autor de O jardim das aflições e de O imbecil coletivo. Olavo de Carvalho optou no livro pela defesa de seu pensamento de modo claro e contundente, sendo, em alguns momentos, agressivo até. Certamente essa característica de seu estilo é motivo de muitas críticas, apesar de a linguagem adotada no livro ser incomparavelmente mais suave do que a empregada no seu programa True Outspeak, veiculado pelo Youtube, repleto de palavrões, o que o tornou um personagem bastante conhecido e atacado na internet. Sim, Olavo não é o tipo de intelectual comportado, preocupado em angariar simpatias. Mas, se ele pode ser criticado por não ter boas maneiras, em compensação nos presenteia com um raciocínio impecável e baseado em fatos verificáveis por qualquer um. Para refutá-lo, portanto, o leitor não pode limitar-se ao xingamento, como se isso significasse usar da mesma arma de que se vale o autor. Olavo de Carvalho pode ser tudo, menos um idiota.


Os fariseus da nova religião

Fato notório nos evangelhos são as duras críticas que Jesus proferia contra um grupo de judeus que se vangloriava de cumprir a Torá (lei escrita) e seguir a tradição oral, considerando-se, por isso mesmo, fariseus, isto é, “separados”, “santos”, conforme o sentido etimológico do termo. Mas por que o farisaísmo era tão criticado pelo fundador do Cristianismo? Devia-se isso à condenação do comportamento presunçoso? O pecado dos fariseus consistia no orgulho de serem fiéis aos preceitos do Judaísmo? Seu erro se resumia ao fato de serem judeus ortodoxos e de se envaidecerem por esse motivo? Evidentemente que esse é um sentimento condenado de antemão na Bíblia. Foi a presunção de Lúcifer, segundo as Escrituras, que o fez desviar-se da luz e alcançar as trevas absolutas. O pecado dos fariseus, à primeira vista, parece ter sido exatamente o mesmo: verem-se como seres dotados de perfeição, o que equivale a perceberem-se como Deus.  No entanto, se esse pecado foi cometido, Jesus deixa claro que o problema é ainda mais embaixo: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia. Assim, também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade.” (Mt 23:27-28, grifo meu). Como se vê, os fariseus são criticados por sua hipocrisia! Eles apenas aparentam ser justos, mas, na verdade, não chegam a cumprir a lei. São iníquos. Qualquer semelhança com os modernos movimentos políticos de esquerda não é mera coincidência. E é isso que Rodrigo Constantino procura deixar claro em seu Esquerda caviar, publicado pela editora Record.

De início, Constantino esclarece a ironia por trás da expressão “esquerda caviar”. Trata-se de uma militância política que se sustenta no discurso em prol de um mundo mais justo e igualitário, mas que, na prática, constrói sua justiça e sua igualdade no diapasão da Revolução dos bichos, de Orwell. Nessa famosa distopia, o mundo mais justo se converte em um mundo de mais opressão e a sociedade igualitária se traduz na ideia de que alguns são mais iguais que os outros. Ou seja, prega-se o comunismo para os outros ao mesmo tempo em que não se revela disposição para abrir mão do conforto que somente o capitalismo pode proporcionar. A expressão tem similares em outras línguas, como “radical chic” (Itália), “socialista champagne” (Inglaterra) e “liberal limusine” (Estados Unidos). Sua origem é francesa (“gauche caviar”), esclarece Constantino, que arremata ironicamente: “como não poderia deixar de ser”. É interessante notar aqui como o esquerdismo passa a se constituir uma religião política, ao mesmo tempo em que seus prosélitos assumem um comportamento farisaico: um paraíso (um mundo em que inexistem desigualdades, guerras, preconceitos, discriminações e propriedade privada), a ser implantado em um futuro indefinido (com a realização do projeto comunista), é anunciado por um profeta (Karl Marx) e divulgado pelo militante de esquerda, esse missionário do novo mundo, que, munido das mais nobres intenções, age contrariamente a tudo o que verbaliza e condena nos outros. Pode haver postura mais farisaica do que essa?

Em Esquerda caviar, portanto, Rodrigo Constantino procura revelar, por trás do discurso bem-intencionado da esquerda, preocupado em “salvar o planeta, proteger os índios, cuidar das crianças africanas, enfrentar os ricos capitalistas em nome da justiça social, pagar a dívida histórica com os negros, acabar com as guerras, enaltecer as diferenças culturais, idealizar os jovens”, etc., a realidade mais ordinária: muitos desses seres abnegados são “ricos graças ao capitalismo que atacam; vivem no conforto do Ocidente que desprezam; gozam da liberdade de expressão que inexiste na Cuba que tanto proclamam; e desfrutam da paz e da segurança conquistadas pelo poder militar do Tio Sam que abominam”.

Os méritos do livro são dois: 1º - Constantino fala de forma direta e franca, sem firulas retóricas, que, no geral, mais confundem que explicam. Sua linguagem não segue os preceitos do politicamente correto, mas também não descamba para a grosseria e o xingamento gratuito; 2º - Ele trata de um amplo leque de temas essenciais para entender o pensamento da esquerda, o que já fica claro no sumário, que apresenta as divisões do livro. Ele aborda, por exemplo, a obsessão antiamericana, o ódio a Israel, o culto ao multiculturalismo e ao pacifismo, o mito Che Guevara, a conversão de Cuba na ilha dos sonhos, etc. Também dedica uma unidade inteira a retratar o farisaísmo constitutivo da personalidade de muitos dos ícones da nossa cultura: políticos, gurus e artistas. É o caso, por exemplo, de Barack Obama, do pacifista Gandhi (para espanto de muitos), do músico John Lennon, do linguísta Noam Chomsky, do cineasta Michael Moore, do professor Peter Singer, dos atores Brad Pitt e Angelina Jolie, do cantor e compositor Chico Buarque, do apresentador Luciano Huck... A lista é enorme.

Rodrigo Constantino é uma figura conhecida na internet. Odiado por todos aqueles que se deixaram seduzir pela novilíngua da esquerda, que, arrogando-se o monopólio da virtude, acaba entregando-se a todo tipo de vício, Constantino não se exime da responsabilidade de dar o seu recado. Ele não se intimida diante dos rottweilers que desejam calar a todos que ousem discordar da “democracia” petista e da “liberdade” esquerdopata. Ele põe as cartas sobre a mesa de jantar no exato momento em que o virtuoso admirador de Che conduz à boca uma libertária porção de caviar.  


quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Para fazer o que é certo¹

Nos últimos tempos tenho me preocupado com questões morais, o que tem deixado alguns amigos mais chegados um tanto desconfiados. Diz-se que uma pessoa de espírito libertário na juventude acaba, com o passar dos anos, descambando para alguma forma de moralismo. Obviamente quem diz isso vê nesse movimento uma caminhada em direção à decadência. Nesse caso, o incipiente moralista é alguém que, cansando-se da luta, acabou por juntar-se ao inimigo contra o qual não teve forças para combater. Assim, passa a integrar o sistema, a ser mais uma peça a dar vida à engrenagem social. Muitas das vezes converte-se em um reacionário, conservador, fundamentalista, elitista, radical de direita, porco capitalista, filhote da ditadura, fascista e muitos outros adjetivos simpáticos por meio dos quais a esquerda se refere aos seus adversários. Em uma época na qual a liberdade irrestrita é o bem supremo, na qual os ideais mais desejáveis podem ser traduzidos por meio do slogan de maio de 1968, “é proibido proibir”, quem reza por outra cartilha só pode ser alguém com o sádico desejo de restringir a liberdade humana. Isso fica muito mais evidenciado hoje devido ao predomínio das concepções da Escola Francesa², que, desconstruindo os paradigmas da tradição do racionalismo moderno, interditou qualquer pretensão a uma verdade objetiva, o que resultou, no campo da moralidade, no subjetivismo ético. Evidentemente, tal perspectiva implica ampla liberdade moral, uma vez que nega a existência de valores morais válidos para todos os homens, independentemente das contingências temporais e espaciais. Não obstante isso, acostumei-me a ouvir (e, no passado, a fazer) críticas à suposta motivação moral do religioso. Seja originária de um materialista de viés iluminista (aquele que acredita na verdade científica), seja de um adepto de uma cosmovisão pós-moderna (aquele que acredita em verdades construídas), a crítica que se faz é que o religioso age moralmente por medo de ir para o inferno, ou, na melhor das hipóteses, almejando a recompensa celestial. O ateu ou o agnóstico, ao contrário, preferem fazer o certo porque é o certo e nisso reside toda sua superioridade em relação aos que procuram barganhar com Deus. O caro leitor percebeu a contradição?

Ora, é impossível ser bom sem Deus. E se a bondade existe, ela se constitui uma evidência da existência de Deus. Para entender isso, suponhamos que seja verdade que valores morais objetivos inexistam, sendo toda a moralidade um construto sócio-histórico de uma determinada comunidade humana. Se assim fosse, como seria possível “fazer o certo porque é certo”? O problema aqui seria explicar o significado da palavra certo. Seria certo, por exemplo, submeter animais a testes de laboratório? Alguns diriam: “sim, trata-se de um mal necessário para o avanço da ciência farmacêutica”; por outro lado, outros diriam: “não temos direito de dispor assim da vida dos animais”. Qual é o certo a fazer nesse caso? Outro exemplo: seria certo que a mulher tivesse direito de escolha em relação ao aborto? As opiniões também se dividem nesse caso: há os defensores da autonomia da mulher sobre seu corpo e os que defendem o direito da vida intra-uterina. Quem está certo? Mais um: é certo matar em nome de uma causa nobre? Há quem defenda isso, apesar de a maioria parecer não concordar com tal ideia. Figuras históricas como Robespierre, Stálin e Hitler pensaram assim. Estariam eles errados? Mas como é possível saber isso? Ou seja, se a moralidade não tem qualquer valor objetivo, não há bases sobre as quais se possa saber o que, afinal, corresponde ao certo. É impossível fazer o certo sem Deus.

Alguns ateus não compreendem bem o que eu afirmo aqui. Quando digo que é impossível fazer o certo sem Deus, não estou dizendo que é impossível fazer o certo se você não acredita em Deus. Portanto, um ateu pode ser uma pessoa moralmente correta, desde que esteja equivocado quanto ao seu ateísmo. Mas, se for mesmo o caso de Deus não existir, então ele não poderá fazer o certo, haja vista não existir nada a que se possa chamar de “certo”. Qualquer escolha moral que faça será apenas uma escolha entre tantas possíveis, sem nenhuma significação especial. Na verdade, nem se trata de escolha moral, já que a palavra moral nada representa nesse contexto. Se, por outro lado, Deus existir, tanto o crente quanto o ateu poderão escolher “fazer o certo porque é certo”.

Compreender isso foi o bastante para me reaproximar de uma concepção teísta. Isso porque nunca deixei de acreditar no certo e a desejá-lo, justamente por saber-me errado. A ideia de certo e errado é tão intuitiva que me parece impossível negar seu caráter de verdade. Não entendo, por exemplo, como torturar crianças pelo simples prazer de torturá-las poderia ser moralmente indiferente. Ou como dar abrigo e alimento a um necessitado poderia não ser algo objetivamente bom. Mas o que não entendo seria verdade se o ateu tivesse razão.

Com tais considerações, começo a explicar ao leitor porque voltei a acreditar em Deus. Digo começo a explicar porque essa conversa deve ser longa e não tenho pretensão de que você que me lê agora compreenda a dimensão do que estou dizendo em tão pouco tempo. É preciso aqui muita reflexão. É preciso mergulhar no problema. No entanto, tenho uma pretensão mais modesta: espero que o distinto leitor, neste final de ano, quando o clima de fraternidade paira no ar, deseje fazer o que é certo, e chegue a fazê-lo, sabendo que é certo.
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¹ Ensaio publicado na Revista Kukukaya, edição nº 3, de dezembro de 2013, acessível aqui.
² No texto original, erroneamente citei a Escola de Frankfurt. Esta desenvolveu um teoria crítica do mundo a partir de pressupostos marxistas. Queria me referia à Escola Francesa, da qual se destacam nomes como Michel Foucault e Jacques Derrida, pensadores da pós-modernidade.

            

sábado, 7 de dezembro de 2013

A praga do politicamente correto

Embora se deva sempre salientar a importância do hábito de ler, sobretudo em um país de poucos leitores, é fato que há certas publicações que não merecem ser lidas. Para Schopenhauer, “para ler o que é bom uma condição é não ler o que é ruim”, uma vez que “a vida é curta e o tempo e a energia são limitados”. Mas o filósofo não se permite abordar o tema de modo vago. Ele, por exemplo, afirma que “não há nada mais fácil do que escrever de modo que ninguém entenda”, em uma clara crítica aos que gostam de escrever de modo afetado, para demonstrar “erudição”. Também condena a prolixidade ao dizer que “utilizar-se de muitas palavras para expressar poucas ideias, é sinal infalível de mediocridade”. E como há escritores afetados e medíocres em nossos dias! Sim, há, mas, infelizmente, não temos a mesma liberdade de Schopenhauer de fazer tal denúncia em viva voz, uma vez que poderia ser entendido hoje como um dizer preconceituoso e antipático, afinal, é crença mais que arraigada na sociedade que todo mundo é talentoso e que qualquer juízo de valor revela uma estreiteza de visão de quem julga. É esse tipo de condicionamento mental a que todos somos submetidos desde o primeiro dia que pomos os pés na escola, e que é reforçado pelos meios de comunicação de massa. Mas nem tudo está perdido. Vez ou outra nos deparamos com uma obra que merece, de fato, nossa atenção. Uma obra na qual se percebe a preocupação do autor com a clareza, a objetividade e a determinação de não fazer qualquer concessão às suscetibilidades do leitor.  A este, se possível, o autor dispensaria com um piparote, ao modo de Machado de Assis.  É o caso de Guia politicamente incorreto da Filosofia, do filósofo Luís Felipe Pondé, publicado pela editora Leya Brasil.

Devo agradecer a uma amiga, a professora Clarissa Maranhão, a indicação do Guia. Na verdade, Clarissa, a quem aprendi a admirar pela seriedade, competência e criatividade com que vem conduzindo um trabalho de excelência na área da produção textual, postou no Facebook um comentário positivo a respeito do livro de Pondé, despertando-me o interesse. Costumo valorizar a opinião de pessoas inteligentes, especialmente quando escrevem bem. É o caso dela. Como não sou nada bobo, assim que pude, fui conferir o Guia. O livro é curto e a linguagem é de fácil compreensão, de modo que rapidamente o li. E gostei do que li.

No livro, Pondé denuncia a hipocrisia moral de nosso tempo: o discurso politicamente correto, ao qual ele chama de “praga PC”. De fato, trata-se de uma praga, haja vista sua capacidade de disseminação e seu poder destruidor.  Para entender o fenômeno, um caso concreto: em outubro deste ano, o autor foi convidado a compor uma mesa redonda na Feira Literária Internacional de Cachoeira (Flica), na Bahia, mas teve sua participação cancelada por falta de segurança. Não havia como garantir a integridade física de Pondé diante da animosidade de manifestantes esquerdistas que o consideram um reacionário de direita e, por isso, queriam cassar seu direito de falar. Queriam e conseguiram. Ora, mas o discurso esquerdista não é justamente a do pluralismo, do respeito à diversidade? Sim, claro: toleram-se todas as opiniões, desde que alinhadas com a esquerda festiva representada pelo Partido dos Trabalhadores. Mas que belo exemplo da praga PC!

O tema da mesa redonda seria “As imposições do amor ao indivíduo”. Penso que o título deve ter sido sugestão do próprio autor, uma vez que no Guia Politicamente Incorreto da Filosofia ele revela seu ceticismo em relação à ideia de que todos têm direito à felicidade, como se tal coisa pudesse se constituir em um benefício garantido pelo Estado, não se restringindo este a garantir o direito do indivíduo de buscar a própria felicidade. Tal equívoco tem origem em Rosseau, que acreditava na bondade natural do homem. O homem é um ser essencialmente amoroso – pensava ele –, e, se não é isso que se vê no dia a dia, a culpa está sempre nos outros, na sociedade que o corrompeu. Apesar de bonitinho, tal discurso, no mundo real, faz tanto sentido quanto as renas do Papai Noel no cenário do nascimento de Cristo. Como consequência desse otimismo ingênuo, vivemos um tempo em que, livres da tirania religiosa, salvos do engano do capitalismo selvagem e alforriados do culto à deusa razão, muitos redescobriram sua natureza bondosa e, com ela, a felicidade. Trata-se de pessoas virtuosas, superiores, e por isso mesmo emancipadas, sexualmente resolvidas, sensíveis, tolerantes, ecologicamente corretas, preocupadas com a injustiça social e amorosas com nosso próximo. Pode tanta perfeição? Pondé deixa claro: tudo isso é a marca visível de toda nossa hipocrisia, mau-caratismo e breguice. Como ele aborda essa ideia no livro? Só lendo para conferir.