sábado, 21 de dezembro de 2013

Os fariseus da nova religião

Fato notório nos evangelhos são as duras críticas que Jesus proferia contra um grupo de judeus que se vangloriava de cumprir a Torá (lei escrita) e seguir a tradição oral, considerando-se, por isso mesmo, fariseus, isto é, “separados”, “santos”, conforme o sentido etimológico do termo. Mas por que o farisaísmo era tão criticado pelo fundador do Cristianismo? Devia-se isso à condenação do comportamento presunçoso? O pecado dos fariseus consistia no orgulho de serem fiéis aos preceitos do Judaísmo? Seu erro se resumia ao fato de serem judeus ortodoxos e de se envaidecerem por esse motivo? Evidentemente que esse é um sentimento condenado de antemão na Bíblia. Foi a presunção de Lúcifer, segundo as Escrituras, que o fez desviar-se da luz e alcançar as trevas absolutas. O pecado dos fariseus, à primeira vista, parece ter sido exatamente o mesmo: verem-se como seres dotados de perfeição, o que equivale a perceberem-se como Deus.  No entanto, se esse pecado foi cometido, Jesus deixa claro que o problema é ainda mais embaixo: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia. Assim, também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade.” (Mt 23:27-28, grifo meu). Como se vê, os fariseus são criticados por sua hipocrisia! Eles apenas aparentam ser justos, mas, na verdade, não chegam a cumprir a lei. São iníquos. Qualquer semelhança com os modernos movimentos políticos de esquerda não é mera coincidência. E é isso que Rodrigo Constantino procura deixar claro em seu Esquerda caviar, publicado pela editora Record.

De início, Constantino esclarece a ironia por trás da expressão “esquerda caviar”. Trata-se de uma militância política que se sustenta no discurso em prol de um mundo mais justo e igualitário, mas que, na prática, constrói sua justiça e sua igualdade no diapasão da Revolução dos bichos, de Orwell. Nessa famosa distopia, o mundo mais justo se converte em um mundo de mais opressão e a sociedade igualitária se traduz na ideia de que alguns são mais iguais que os outros. Ou seja, prega-se o comunismo para os outros ao mesmo tempo em que não se revela disposição para abrir mão do conforto que somente o capitalismo pode proporcionar. A expressão tem similares em outras línguas, como “radical chic” (Itália), “socialista champagne” (Inglaterra) e “liberal limusine” (Estados Unidos). Sua origem é francesa (“gauche caviar”), esclarece Constantino, que arremata ironicamente: “como não poderia deixar de ser”. É interessante notar aqui como o esquerdismo passa a se constituir uma religião política, ao mesmo tempo em que seus prosélitos assumem um comportamento farisaico: um paraíso (um mundo em que inexistem desigualdades, guerras, preconceitos, discriminações e propriedade privada), a ser implantado em um futuro indefinido (com a realização do projeto comunista), é anunciado por um profeta (Karl Marx) e divulgado pelo militante de esquerda, esse missionário do novo mundo, que, munido das mais nobres intenções, age contrariamente a tudo o que verbaliza e condena nos outros. Pode haver postura mais farisaica do que essa?

Em Esquerda caviar, portanto, Rodrigo Constantino procura revelar, por trás do discurso bem-intencionado da esquerda, preocupado em “salvar o planeta, proteger os índios, cuidar das crianças africanas, enfrentar os ricos capitalistas em nome da justiça social, pagar a dívida histórica com os negros, acabar com as guerras, enaltecer as diferenças culturais, idealizar os jovens”, etc., a realidade mais ordinária: muitos desses seres abnegados são “ricos graças ao capitalismo que atacam; vivem no conforto do Ocidente que desprezam; gozam da liberdade de expressão que inexiste na Cuba que tanto proclamam; e desfrutam da paz e da segurança conquistadas pelo poder militar do Tio Sam que abominam”.

Os méritos do livro são dois: 1º - Constantino fala de forma direta e franca, sem firulas retóricas, que, no geral, mais confundem que explicam. Sua linguagem não segue os preceitos do politicamente correto, mas também não descamba para a grosseria e o xingamento gratuito; 2º - Ele trata de um amplo leque de temas essenciais para entender o pensamento da esquerda, o que já fica claro no sumário, que apresenta as divisões do livro. Ele aborda, por exemplo, a obsessão antiamericana, o ódio a Israel, o culto ao multiculturalismo e ao pacifismo, o mito Che Guevara, a conversão de Cuba na ilha dos sonhos, etc. Também dedica uma unidade inteira a retratar o farisaísmo constitutivo da personalidade de muitos dos ícones da nossa cultura: políticos, gurus e artistas. É o caso, por exemplo, de Barack Obama, do pacifista Gandhi (para espanto de muitos), do músico John Lennon, do linguísta Noam Chomsky, do cineasta Michael Moore, do professor Peter Singer, dos atores Brad Pitt e Angelina Jolie, do cantor e compositor Chico Buarque, do apresentador Luciano Huck... A lista é enorme.

Rodrigo Constantino é uma figura conhecida na internet. Odiado por todos aqueles que se deixaram seduzir pela novilíngua da esquerda, que, arrogando-se o monopólio da virtude, acaba entregando-se a todo tipo de vício, Constantino não se exime da responsabilidade de dar o seu recado. Ele não se intimida diante dos rottweilers que desejam calar a todos que ousem discordar da “democracia” petista e da “liberdade” esquerdopata. Ele põe as cartas sobre a mesa de jantar no exato momento em que o virtuoso admirador de Che conduz à boca uma libertária porção de caviar.  


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