Fato notório nos evangelhos são as duras críticas que Jesus
proferia contra um grupo de judeus que se vangloriava de cumprir a Torá (lei
escrita) e seguir a tradição oral, considerando-se, por isso mesmo, fariseus,
isto é, “separados”, “santos”, conforme o sentido etimológico do termo. Mas por
que o farisaísmo era tão criticado pelo fundador do Cristianismo? Devia-se isso
à condenação do comportamento presunçoso? O pecado dos fariseus consistia no
orgulho de serem fiéis aos preceitos do Judaísmo? Seu erro se resumia ao fato
de serem judeus ortodoxos e de se envaidecerem por esse motivo? Evidentemente
que esse é um sentimento condenado de antemão na Bíblia. Foi a presunção de
Lúcifer, segundo as Escrituras, que o fez desviar-se da luz e alcançar as
trevas absolutas. O pecado dos fariseus, à primeira vista, parece ter sido
exatamente o mesmo: verem-se como seres dotados de perfeição, o que equivale a
perceberem-se como Deus. No entanto, se
esse pecado foi cometido, Jesus deixa claro que o problema é ainda mais
embaixo: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!
Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de
toda imundícia. Assim, também vós exteriormente pareceis justos aos
homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia
e de iniqüidade.” (Mt 23:27-28, grifo meu). Como se vê, os fariseus são criticados
por sua hipocrisia! Eles apenas aparentam ser justos, mas, na verdade, não
chegam a cumprir a lei. São iníquos. Qualquer semelhança com os modernos
movimentos políticos de esquerda não é mera coincidência. E é isso que Rodrigo
Constantino procura deixar claro em seu Esquerda
caviar, publicado pela editora Record.
De início, Constantino esclarece a ironia por trás da
expressão “esquerda caviar”. Trata-se de uma militância política que se
sustenta no discurso em prol de um mundo mais justo e igualitário, mas que, na
prática, constrói sua justiça e sua igualdade no diapasão da Revolução dos bichos, de Orwell. Nessa
famosa distopia, o mundo mais justo se converte em um mundo de mais opressão e
a sociedade igualitária se traduz na ideia de que alguns são mais iguais que os
outros. Ou seja, prega-se o comunismo para os outros ao mesmo tempo em que não
se revela disposição para abrir mão do conforto que somente o capitalismo pode
proporcionar. A expressão tem similares em outras línguas, como “radical chic”
(Itália), “socialista champagne” (Inglaterra) e “liberal limusine” (Estados
Unidos). Sua origem é francesa (“gauche caviar”), esclarece Constantino, que
arremata ironicamente: “como não poderia deixar de ser”. É interessante notar
aqui como o esquerdismo passa a se constituir uma religião política, ao mesmo
tempo em que seus prosélitos assumem um comportamento farisaico: um paraíso (um
mundo em que inexistem desigualdades, guerras, preconceitos, discriminações e
propriedade privada), a ser implantado em um futuro indefinido (com a realização
do projeto comunista), é anunciado por um profeta (Karl Marx) e divulgado pelo militante
de esquerda, esse missionário do novo mundo, que, munido das mais nobres intenções,
age contrariamente a tudo o que verbaliza e condena nos outros. Pode haver
postura mais farisaica do que essa?
Em Esquerda caviar,
portanto, Rodrigo Constantino procura revelar, por trás do discurso
bem-intencionado da esquerda, preocupado em “salvar o planeta, proteger os
índios, cuidar das crianças africanas, enfrentar os ricos capitalistas em nome
da justiça social, pagar a dívida histórica com os negros, acabar com as
guerras, enaltecer as diferenças culturais, idealizar os jovens”, etc., a
realidade mais ordinária: muitos desses seres abnegados são “ricos graças ao
capitalismo que atacam; vivem no conforto do Ocidente que desprezam; gozam da
liberdade de expressão que inexiste na Cuba que tanto proclamam; e desfrutam da
paz e da segurança conquistadas pelo poder militar do Tio Sam que abominam”.
Os méritos do livro são dois: 1º - Constantino fala de forma
direta e franca, sem firulas retóricas, que, no geral, mais confundem que
explicam. Sua linguagem não segue os preceitos do politicamente correto, mas
também não descamba para a grosseria e o xingamento gratuito; 2º - Ele trata de
um amplo leque de temas essenciais para entender o pensamento da esquerda, o
que já fica claro no sumário, que apresenta as divisões do livro. Ele aborda,
por exemplo, a obsessão antiamericana, o ódio a Israel, o culto ao
multiculturalismo e ao pacifismo, o mito Che Guevara, a conversão de Cuba na
ilha dos sonhos, etc. Também dedica uma unidade inteira a retratar o farisaísmo
constitutivo da personalidade de muitos dos ícones da nossa cultura: políticos,
gurus e artistas. É o caso, por exemplo, de Barack Obama, do pacifista Gandhi
(para espanto de muitos), do músico John Lennon, do linguísta Noam Chomsky, do
cineasta Michael Moore, do professor Peter Singer, dos atores Brad Pitt e Angelina
Jolie, do cantor e compositor Chico Buarque, do apresentador Luciano Huck... A
lista é enorme.
Rodrigo Constantino é uma figura conhecida na internet.
Odiado por todos aqueles que se deixaram seduzir pela novilíngua da esquerda,
que, arrogando-se o monopólio da virtude, acaba entregando-se a todo tipo de vício,
Constantino não se exime da responsabilidade de dar o seu recado. Ele não se intimida
diante dos rottweilers que desejam calar a todos que ousem discordar da “democracia”
petista e da “liberdade” esquerdopata. Ele põe as cartas sobre a mesa de jantar
no exato momento em que o virtuoso admirador de Che conduz à boca uma libertária porção de
caviar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário