sábado, 25 de abril de 2020

A impossibilidade do debate no Facebook e outras redes sociais


Não faz muito tempo que descobri o grande mal que as redes sociais representam para uma verdadeira e honesta discussão de ideias. Falo daquela discussão que se trava com vista à busca da verdade ou de algo próximo dela, e não da mera batalha que visa a "vencer o inimigo". Ao longo de alguns anos, frequentemente me empenhei em debates no Facebook, especialmente sobre Política, sendo meus interlocutores, no geral, representantes da direita conservadora. Nessas ocasiões, escrevia textões, nos quais procurava elaborar argumentos muito bem concatenados e, para mim, bastante coerentes, esperando que pudessem elevar o nível das discussões. Mas sempre acabava me decepcionando, e não apenas com meu interlocutor. Ficava desapontado sobretudo comigo.

Explico. Se a princípio escrevia de modo polido e o mais racional possível, acabava com o tempo descambando para o uso de uma linguagem mais irônica e até mesmo agressiva, à medida em que me deparava com pessoas que, na minha avaliação, utilizavam-se apenas de abordagens emocionais e discursos do senso comum. Embora na maioria das vezes isso ocorresse como reação à própria atitude nada amistosa do interlocutor, comumente eu acabava contribuindo para o acirramento das tensões. E uma das razões para isso - penso - é o fato de a interação ocorrer em um meio virtual, isto é, sem a presença física das pessoas envolvidas, e exclusivamente por meio da escrita. Sim, sem ver o meu interlocutor e sem ser visto por ele, sem a possibilidade de lermos as expressões faciais de cada um, sem ouvirmos o tom da nossa voz, tendemos a nos desumanizar reciprocamente, cada qual reduzindo o outro a um nome ou nick, a uma foto ou imagem (ou ainda a ausência de ambas) e - o mais triste - à letra fria dos posts, ineficaz na tradução de muitos sentimentos. 

A discussão de muitos temas exige muito mais do que as redes sociais - e o Facebook em particular - podem oferecer. A possibilidade de respostas imediatas, quase em tempo real, é certamente algo que contribui muito para a realização de bons debates, mas, infelizmente, não é o suficiente para viabilizá-los, e por várias razões. Uma delas são as condições de recepção do discurso do outro, geralmente desfavoráveis. Assimilar esse discurso exige leitura atenta, reflexão sem pressa, e certa abertura para novas perspectivas - tudo o que as redes sociais não proporcionam. Evidentemente que uma discussão tête-à-tête também pode apresentar semelhantes problemas, no entanto, acredito que a chance de negociação dessas condições é muito mais fácil quando as pessoas estão fisicamente presentes do que quando interagem apenas virtualmente, e por meio da escrita.

Falemos sobre a atenção ao discurso alheio. Ora, quantas vezes nossa atenção não é desviada diante de tantos estímulos visuais, mesmo audiovisuais, presentes nas redes sociais? Um diálogo não pode prosperar se estou fazendo múltiplas coisas concomitantemente a ele, se não estou investindo de forma efetiva e afetiva no seu desenvolvimento. É uma atividade que exige dedicação exclusiva. Não posso estar compartilhando memes ou assistindo a um vídeo ao mesmo tempo em que participo de uma discussão sobre um tema importante. Se agimos desse modo, ou estamos convencidos da inocuidade dessa atividade, ou nossa preocupação é tão-somente com a construção de um monólogo disfarçado de diálogo, isto é, queremos pregar a nossa verdade muito mais do que conhecer a verdade de nosso interlocutor, e suas razões para endossá-la. Se assim é, o melhor mesmo é nem iniciar a conversa, salvo se nossa intenção for apenas alimentar a nossa própria vaidade.

Outra razão para a inviabilidade de discussões honestas nas redes sociais é que nelas nos vemos diante de uma ampla, porém seletiva visibilidade. É evidente que toda discussão nas redes sociais é pública, aberta, possibilitando a intromissão de qualquer pessoa interessada, uma vez que ficam visíveis na timeline de todos os que nos seguem. Disso resulta que, no geral, quem pega o "bonde andando" e se intromete nessas discussões acaba, muitas vezes, por conhecer apenas um dos interlocutores, com o qual tem mais afinidades (ora, são amigos), revelando total falta de empatia pelo outro. Justamente por não conhecermos esse outro, por nada sabermos sobre sua vida, realizações e sentimentos, somos mais rápidos em julgá-lo e condená-lo. Essa é uma das formas em que ocorre a desumanização do outro. Para deixar isso mais claro: é fato que vivemos em bolhas e nas nossas redes sociais acabamos aceitando como amigos as pessoas com as quais temos mais afinidades do que discordâncias, principalmente no plano político e religioso. Daí nossos posts receberem mais likes e palavras de confirmação do que críticas. Quando essas acontecem, já contamos com espectadores simpáticos à nossa causa. Essa particularidade traz consigo o risco da espetacularização do debate, e do recrudescer de nossa vaidade. Desse modo, em uma discussão de ideias, circunscrita em nosso ambiente de segurança, acaba prevalecendo o pensamento de que é preciso a todo custo vencê-la, derrotar o "inimigo", e, caso possível, mesmo humilhá-lo, para sairmos bem na fita.

Ainda outra razão para a impossibilidade de uma discussão verdadeira: não conseguimos sair da superficialidade no tratamento dos temas a que nos propomos discutir. Esse é um fato mais ou menos evidente: é claro que sempre é possível escrever longos textos e, desse modo, desenvolver os argumentos, saindo assim da superfície das ideias. No entanto, um post no Facebook não é um artigo de opinião. Poucos são os que se dispõem a ler um texto longo nessa plataforma, e, em seguida, a responder a cada argumento lá elencado. As redes sociais são lugares do efêmero, da comunicação instantânea e do consumo rápido, do fast food.

Além disso, é comum, na quase anonimidade que as redes oferecem, as pessoas fingirem conhecer o que, de fato, desconhecem por completo. Podendo fazer consultas imediatas em buscadores como o Google, acessamos o conteúdo que quisermos. Sem precisar nos dedicarmos à leitura de obras importantes, podemos ler alguns parágrafos na Wikipedia e posarmos de entendedores do assunto. Quando não optamos por essa solução, acabamos respondendo ao nosso interlocutor por meio de vídeos do Youtube, cópias de textos alheios ou ainda memes, e provavelmente ele faz o mesmo.

Eu já cometi muito do que estou descrevendo aqui, embora não tivesse plena consciência disso. Com o passar do tempo, acabei por perceber o quanto era inútil e cansativo envolver-me em discussões que não prosperavam, e cujo objetivo - hoje entendo - não era muito claro. Estava eu querendo apenas vencer uma discussão? Estava tão-somente querendo convencer o outro? Buscava a aprovação dos iguais a mim? Pretendia afirmar o quanto sou inteligente? São perguntas que me faço. Depois de ter lido Comunicação não-violenta, de Marshall B. Rosenberg, mudei bastante minha forma de encarar a interação com o próximo, especialmente as pessoas que não conheço. Tenho consciência de que, no mais das vezes, tentava ser prudente, amistoso e conciliador, mas também já fui bastante sarcástico e cruel nos meus textos no Facebook. Não creio que estou apenas a me descrever aqui. Continuo a observar o comportamento de muita gente nas redes sociais. Penso que agimos nesses ambientes de modo semelhante à turba que se sente autorizada a cometer crimes, reforçada pelo apagamento do indivíduo pela multidão. Na internet, o indivíduo é apagado por uma tela, um nome e uma imagem. Espero não me apagar dessa forma, nem desumanizar o meu semelhante.

Sérgio Santos da Silva