Um homem ressentido por sua
condição social, inconformado com as vicissitudes de sua vida, revoltado com
seu passado pobre, forma-se com muito sacrifício em Medicina e acaba ascendendo
socialmente por meio de um casamento sem amor. Ao conhecer o sucesso, percebe
que persiste seu vazio interior, sua vida sem sentido. Procura sentido nos
prazeres. Tem relações fora do casamento. Esse homem, que sucumbiu ao seu
próprio egoísmo, que não conseguia enxergar o próximo, só conhece um
significado mais profundo para a existência quando contempla a morte. Trata-se
da morte de um verdadeiro amor, de um sentimento puro e honesto, de uma mulher
de alma simples, preterida em função de seu projeto de ascensão social. Essa
mulher, que o amava deveras, com quem ele aprendeu a amar, deu-lhe um filho,
deu-lhe uma vida, devolveu-lhe sua própria vida, ensinou-lhe, depois de morta,
por meio de cartas escritas e nunca enviadas, a olhar para as pessoas como
pessoas, a não se apegar às coisas materiais. Essa é, em linhas gerais, a
narrativa de Olhai os lírios
do campo, romance de Érico Veríssimo, publicado pela Companhia das Letras.
O título do livro é uma referência a uma passagem bíblica: “Olhai para os
lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam; E eu vos digo que
nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles.”.
(Mateus 6:28-29). Evidentemente Jesus não diz aqui que os homens não devem
trabalhar, como os lírios, que não trabalham nem fiam. A mensagem não é de
resignação, mas um convite à simplicidade, um convite a não colocar o objetivo
da vida na conquista de “tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo
consomem, e onde os ladrões minam e roubam” (Mateus 6:19). O romance de Érico
Veríssimo aponta-nos para uma realidade transcendente, para algo além da
matéria, onde o homem poderá encontrar, enfim, uma existência plena.
Tive a oportunidade de lê-lo nos primeiros meses do ano e não posso negar
que a narrativa me emocionou. Olhai
os lírios do campo é uma obra
que me fez relembrar o que é verdadeiramente o Cristianismo.
Muito obrigada por compartilhar conosco a sua experiência com o livro. Você o descreveu de uma maneira tão apreciativa que deixou em mim a vontade de lê- lo.
ResponderExcluirFico feliz que tenha provocado seu interesse pela leitura do livro. Trata-de de uma leitura, sem dúvida alguma, bastante edificante. Para as almas mais sensíveis, o livro pode levar às lágrimas. Uma comoção por reafirmar o valor supremo da vida. Um grande abraço.
ExcluirOlá, Sérgio!
ResponderExcluirGostei muito do post. Mais de dez anos atrás, um colega de faculdade que não tinha nada de cristão me recomendou a leitura desse livro. Mas ainda não segui seu conselho. Seu breve post reacendeu minha cuirosidade já meio esquecida por essa obra. E, pelo comentário da leitora de cima, meu caso não é isolado. Você é um bom propagandista de livros.
Seus comentários bíblicos foram muito oportunos. Quero acrescentar apenas que Jesus também foi muito específico quanto à natureza da "realidade transcendente" que tinha em mente. Você citou Mateus 6.28-29. Veja o que dizem os quatro versículos seguintes, importantíssimos para o entendimento do argumento de Jesus:
"Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe, e amanhã é lançada no forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pouca fé? Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? Porque todas estas coisas os gentios procuram. Decerto vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas; Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas."
Note que, além de um convite à simplicidade e ao desprezo (no bom sentido) dos "tesouros na terra", Jesus explica em que bases se deve fazer isso: a confiança no amor do Pai e a submissão à sua soberania. Afinal, a expressão "Reino de Deus" só pode significar que Deus é um Rei, e buscar esse reino em primeiro lugar deve resultar em tornar-se súdito desse Rei. Não sei se Érico Veríssimo abordou esse aspecto da mensagem de Cristo, mas isso também é verdadeiramente o cristianismo.
Abraços!
Obrigado, André, pelo comentário. Gosto quando você escreve, pois sempre consegue mostrar que, se estamos no raso a conceber a profundidade, é fato que existe sempre a possibilidade de descer mais um pouco, de mergulhar mais, inclusive de cavar o fundo e descobrir profundidades ainda maiores e inimagináveis. É isso que percebi na sua série de artigos em resposta ao texto de Brink. Por essa razão, só posso ficar contente ao me deparar com um comentário seu.
ExcluirBem, evidentemente o romance de Veríssimo não é exatamente uma apologia ao Cristianismo, mas é possível vê-lo transpassando toda a narrativa.
Compreendo o que você quer dizer com a natureza da realidade transcendente. Para você, não se trata de algo fluido, vago, espiritualista conforme a mentalidade pós-modernista. Para o cristão, a realidade transcendente é Jesus. Pois bem, é possível que seja, mas quero crer que "Olhai os lírios do campo" nos faz intuir Deus da mesma forma que a teologia natural, sem a pretensão de se constituir como uma revelação total. Não sei se Veríssimo era cristão, mas, ainda que não seja, a mensagem que sua obra passa é compatível, a meu ver, com os ensinamentos de Cristo, o que se evidencia a partir do título. Quem sabe não pode ser este um caminho que conduzirá o leitor a buscar compreender um tanto mais a respeito dessa realidade transcendente? Um grande abraço.