Em meu artigo anterior, defendi que é natural que, em momentos de crise, o ateu vacile quanto às suas convicções a respeito da inexistência de Deus. Nesse momento – afirmei –, sua capacidade racional fica comprometida e ele passa a pensar e a se comportar de modo mais emocional do que o costumeiro. Na ocasião, só queria dar uma resposta à habitual provocação de pessoas religiosas, que, no geral, afirmam que o ateu, quando está diante de uma situação desesperadora, acaba por renegar seu ateísmo, clamando pelo auxílio divino. Mas, se isso é verdade, em nada tal “conversão” tardia corrobora para a discussão a respeito da existência de Deus. Ora, posso clamar por Deus e, ainda assim, ser verdade que ele não exista. É isso que eu espero ter deixado claro. Aquele artigo, porém, embora publicado na primeira edição desta revista, foi escrito em outra época da minha vida, época em que eu assumia uma cosmovisão materialista. Publiquei-o aqui porque continuo defendendo as linhas gerais do que se acha nele escrito, mas hoje, estranhamente para alguns, voltei a acreditar em Deus. E é para falar sobre essa convicção que dedicarei os parágrafos seguintes.
Observe o leitor que usei a
palavra convicção para definir meu retorno ao teísmo (crença em Deus). Sim,
como quase todo ateu (Há mesmo necessidade do quase?), fui, em primeiro lugar,
um crente. Mas, ao longo de 17 anos, assumi o ateísmo na esfera teórica ou
prática. Ao longo de 17 anos critiquei toda forma de religião organizada. Ao longo
de 17 anos achei que a crença em Deus era uma forma de escravizar mentes. Ao
longo de 17 anos achei que uma pessoa inteligente e questionadora naturalmente
acabaria ateia. Achei, durante todo esse tempo, que a humanidade estaria mais
bem servida sem as “ilusões religiosas”. Hoje não penso mais assim. Mas o que
aconteceu? Como explicar tal transformação? Como um ateu convicto torna-se um
não menos convicto teísta? Interessante que esses foram os mesmos
questionamentos que me fizeram quando eu, evangélico atuante, aos 17 anos
abandonei a Igreja e passei a denunciar como engano e violência as ditas
“verdades eternas”. Como é possível não mais crer em Deus? Curioso, nos dois
casos, é a coincidência do tempo: 17 anos crente, 17 anos incrédulo. Agora,
novamente crente. Não, não sou supersticioso. Trata-se mesmo de uma
coincidência, embora interessante. Mas, para ser honesto, devo esclarecer uma
coisa: estou incluindo na minha fase ateia todo o período em que me declarei
agnóstico. Se o leitor não sabe, agnóstico é o indivíduo que admite seu
desconhecimento, sua ignorância sobre certos temas. Ele não se vê capaz de
posicionar-se quanto à existência de Deus. Deus existe? “Talvez”, ele dirá.
Deus não existe? “Talvez”, dirá no mesmo tom. “Eu não sei”. Era isso que eu
respondia sempre que perguntado sobre o tema. Incluo esse período agnóstico na
minha fase ateísta porque, embora admitisse a possibilidade de Deus existir (ou
não), a palavra Deus, para mim, já havia perdido, naquele momento, todo seu significado
original.
Antes de continuar, acho
prudente explicar melhor este ponto. Quando digo que Deus existe, o que quero
afirmar com isso? O que é Deus? Essa pergunta deve anteceder à outra, mas
rotineira: quem é Deus? Que o leitor perceba aqui que o uso do pronome quem já sugere uma resposta para o
primeiro questionamento: para quem pergunta, Deus é um ser pessoal. Mas é essa
ideia mesma que está presente na indagação Você
acredita em Deus? O interlocutor que pergunta isso não está querendo saber
se eu acredito em uma energia cósmica impessoal e destituída de
intencionalidade. Em vez disso, deseja saber se eu acredito em uma teleologia
subjacente a todo o universo. Existe um propósito na vida ou esta é resultante
de forças cegas e aleatórias? Enquanto agnóstico,
era assim que eu concebia o Deus possível: uma energia primordial, cega e
impessoal. Mas, definitivamente, Deus não é isso. Ou melhor, se eu defino Deus
dessa forma, permaneço usando a palavra, mas meu “Talvez Deus exista” só pode
se constituir em fonte de equívocos ao pretender-se uma resposta à pergunta do
meu interlocutor. Estamos os dois a falar de coisas bem distintas. Se afirmo
hoje que Deus existe, fique claro: estou afirmando, sem dúvida alguma, que um
ser pessoal, onipotente, onisciente e onipresente existe.
Mas o espaço deste artigo é demasiado
curto para que eu possa explicar a história da minha “reconversão” ao teísmo.
Isso deverá ser explorado em artigos posteriores. Posso adiantar, no entanto,
que pude concluir, após travar muitas discussões com teístas e ateus, assistir
a diversos vídeos no Youtube, ler alguns artigos e livros, que não havia nada
que fizesse do ateísmo uma concepção de vida racionalmente superior ao teísmo.
Não se trata de uma perspectiva intelectualmente mais respeitável. Pude
concluir, para espanto meu, que não há um só argumento positivo a favor do
ateísmo. O ateu, no geral, assume sua (des)crença baseado na falta de razões
suficientes para acreditar na existência de Deus. Quase todos declaram exatamente
isso. Eu declarava. Trata-se de um ateísmo das lacunas. Ainda que fosse esse o
caso, de modo algum, conforme declarou o ateu Carl Sagan, a ausência de
evidência pode ser confundida com a evidência da ausência. Ora, Deus pode
existir ainda que seja impossível prová-lo. Não obstante essa observação, há,
sim, razões positivas para defender o teísmo, e sobre elas espero poder
escrever em breve. Diferente do que muitos pensam, para chegar à conclusão de
que Deus existe não é necessário ter fé.
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* Ensaio publicado na revista eletrônica Kukukaya, edição nº 2, de novembro de 2013, acessível aqui.
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