domingo, 3 de novembro de 2013

Um poeta de palavra*

Amanheci hoje com o “Livro de palavra”, do poeta João Andrade. Li-o em cerca de uma hora e fui tomado por um sentimento paradoxal: um entusiasmo que sente necessidade de se conter. Explico-me.

Conheço o poeta e isso representa, ao mesmo tempo, um privilégio e uma limitação. Não há dúvida de que fazer parte do círculo de amizades de um grande escritor constitui-se um grande privilégio, uma oportunidade de ter contato com um singular modo de enxergar o mundo. Penso que os poetas têm, no geral, muito que dizer, além do que já tenham dito por meio dos seus poemas. No entanto, ser amigo de um poeta, sobretudo de um nome desconhecido do grande público (apesar dos prêmios literários que, merecidamente, conquistou), põe qualquer juízo sobre sua obra em suspeição. É como se fosse impossível transcender o registro da bajulação. Por esse motivo, prefiro, de regra, escrever sobre João Andrade como se não o conhecesse, ou melhor, como se o conhecesse tão-somente por meio de sua arte. É o que tentarei fazer brevemente agora:

A poesia de João Andrade é desconcertante, no sentido mais estrito da palavra. Usando as palavras de Torquato Neto, ela desafina “o coro dos contentes”, revelando, de forma harmoniosa, a desarmonia existente no peito do poeta. Ou seja, seu texto flui, revela um ritmo bem marcado, uma sintaxe descomplicada e uma prosódia nem um pouco forçada, o que aproxima o texto do leitor. Em um tempo em que a poesia, no geral, tem se tornado incomunicável, hermética, locus de experimentalismos incapazes de provocar qualquer experiência estética no leitor ou lugar comum de dadaísmos que, por nada dizerem, não fariam a menor falta se nunca tivessem sido postos no papel, João Andrade nos convida a trilhar as estradas do poetar. Seu texto não é apenas significante, mas também significa. Mas a escolha por ser de fácil leitura não é de modo algum a escolha pelo fácil. João não se deixa seduzir pela sereia que promete prazeres indescritíveis a quem apenas se entrega a seus encantos. Ele prefere cair nas ciladas de Cila ou no abismo de Caríbdes. João não busca o aplauso dos que gostam do óbvio, do folhetinesco, do já tantas vezes dito sempre do mesmo modo. Sua poesia não quer acalentar ninguém, pois seu canto não tem motivo:

Não há motivo para meu canto,
No entanto canto mesmo assim.
Não há razão para o espanto
E não espanto os males que há em mim.
Não há caminho por onde sigo
E o que digo não é bom ou ruim.
Palavras carrego em sigilo
E somente elas estarão comigo
No fim.

Ou seja, se é verdade que a poesia de João Andrade é de fácil leitura e comunica-se com o leitor, não é igualmente verdadeiro que a ele se entrega facilmente. Em vez disso, exige-lhe a reflexão, o sentimento, a busca da palavra, a procura da poesia. É isso que encontramos no seu mais novo livro.

OPS! Quase me esqueço: o "Livro de palavra" pode ser adquirido na livraria Nobel Salgado Filho.

*Texto postado no Facebook em 27 de outubro de 2013


Um comentário:

  1. Quando li este texto, no mesmo dia de sua publicação no Facebook, deu-me uma vontade imensa de respondê-lo (como se fosse preciso uma resposta?!). Encontra-se também no Facebook, com a mesma data do dia 27.10.13.

    Quanto ao seu texto, Sérgio... Muito bom!

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