Li o 50 anos a mil. Editado pela Nova Fronteira, a autobiografia de João
Luiz Woerdenbag Filho, mais conhecido como Lobão, é de provocar a reação mais
bem traduzida pela expressão “é foda”. Não dá para falar diferente da escrita
do cantor e compositor que se insurgiu contra, segundo suas palavras, a
bundamolice que tomou conta da cultura brasileira. Lobão não é condescendente
com o esquema de venda de discos das gravadoras, denuncia o jabaculê que tomou
conta das rádios, não endossa o discurso politicamente correto e não tem papas
na língua. Sua autobiografia virará filme, sob a direção do cineasta José
Eduardo Belmonte.
Apelidado carinhosamente por
familiares como “Xurupito”, o que era motivo de constrangimento público, Lobão
passou a infância e início da adolescência tendo que conviver com uma doença
rara nos rins, a nefrose e a superproteção materna. Curado dessa doença aos 12
anos, João Luiz terá que conviver ainda com convulsões epiléticas e com o
tratamento à base de Rivotril. Aos 16 anos, é contratado como baterista do
Vímana, banda de Lulu Santos que acompanhava as apresentações de Marília Pera. Nesse
tempo, tem contato com as drogas, com as quais nunca chegou a ter uma relação
patológica. Não chegou a concluir o Ensino Médio. Após o Vímana, Lobão
integraria a Blitz, do Evandro Mesquista, mas romperia com a banda antes de sua
consolidação no cenário musical. Em vez de participar do sucesso de uma banda
juvenil, que, para ele, não difere muito das que existem hoje, Lobão resolve seguir
carreira solo com o seu Cena de cinema.
As canções do álbum serão motivo de desentendimentos com Herbert Vianna, a quem
ele acusa de tê-lo plagiado. Blitz, Herbert, Caetano Veloso, Gil, etc. Muitos
serão os artistas criticados por Lobão, ontem e hoje, o que não o torna de modo
algum simpático. No entanto, tem igualmente uma relação muito positiva com
outros artistas, como Cazuza, Ritchie, Lulu Santos, Marina, Paulinho da Viola,
Elza Soares, etc. Lobão é preso algumas vezes por porte de drogas, briga com
gravadoras, lança sua guerrilha vendendo CDs em bancas de revista, lança nomes
como B Negão e Mombojó, é ignorado pela mídia, suas canções não tocam no rádio,
é hostilizado no Rock in Rio devido a sua aproximação com o samba, entra na
avenida com a Mangueira, pai e mãe cometem suicídio, tem relacionamentos
afetivos tumultuados até conhecer Regina, a mulher de sua vida, com quem está
até hoje, etc. A história de Lobão cabe mesmo em um filme.
A linguagem do livro é, no
geral, bastante coloquial, o que dá certa impressão de sermos ouvintes da
narrativa e não seus leitores. Se o conteúdo de 50 anos a mil já é interessante por si só, Lobão o torna ainda mais
interessante ao não se esforçar por mostrar-se sob uma perspectiva favorável.
As contribuições do jornalista Claudio Tognolli, nas seções “Lobão na mídia”
dão credibilidade ao que é narrado. No momento em que artistas que construíram
suas carreiras no diapasão da luta pela liberdade de expressão lutam agora pela
censura na produção de biografias, Lobão deixa claro que não tem nada a
esconder. Afinal, ele sabe o que quer e é essa certeza que faz o lobo gritar.
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