domingo, 3 de novembro de 2013

Cenas de cinema

Li o 50 anos a mil. Editado pela Nova Fronteira, a autobiografia de João Luiz Woerdenbag Filho, mais conhecido como Lobão, é de provocar a reação mais bem traduzida pela expressão “é foda”. Não dá para falar diferente da escrita do cantor e compositor que se insurgiu contra, segundo suas palavras, a bundamolice que tomou conta da cultura brasileira. Lobão não é condescendente com o esquema de venda de discos das gravadoras, denuncia o jabaculê que tomou conta das rádios, não endossa o discurso politicamente correto e não tem papas na língua. Sua autobiografia virará filme, sob a direção do cineasta José Eduardo Belmonte.

Apelidado carinhosamente por familiares como “Xurupito”, o que era motivo de constrangimento público, Lobão passou a infância e início da adolescência tendo que conviver com uma doença rara nos rins, a nefrose e a superproteção materna. Curado dessa doença aos 12 anos, João Luiz terá que conviver ainda com convulsões epiléticas e com o tratamento à base de Rivotril. Aos 16 anos, é contratado como baterista do Vímana, banda de Lulu Santos que acompanhava as apresentações de Marília Pera. Nesse tempo, tem contato com as drogas, com as quais nunca chegou a ter uma relação patológica. Não chegou a concluir o Ensino Médio. Após o Vímana, Lobão integraria a Blitz, do Evandro Mesquista, mas romperia com a banda antes de sua consolidação no cenário musical. Em vez de participar do sucesso de uma banda juvenil, que, para ele, não difere muito das que existem hoje, Lobão resolve seguir carreira solo com o seu Cena de cinema. As canções do álbum serão motivo de desentendimentos com Herbert Vianna, a quem ele acusa de tê-lo plagiado. Blitz, Herbert, Caetano Veloso, Gil, etc. Muitos serão os artistas criticados por Lobão, ontem e hoje, o que não o torna de modo algum simpático. No entanto, tem igualmente uma relação muito positiva com outros artistas, como Cazuza, Ritchie, Lulu Santos, Marina, Paulinho da Viola, Elza Soares, etc. Lobão é preso algumas vezes por porte de drogas, briga com gravadoras, lança sua guerrilha vendendo CDs em bancas de revista, lança nomes como B Negão e Mombojó, é ignorado pela mídia, suas canções não tocam no rádio, é hostilizado no Rock in Rio devido a sua aproximação com o samba, entra na avenida com a Mangueira, pai e mãe cometem suicídio, tem relacionamentos afetivos tumultuados até conhecer Regina, a mulher de sua vida, com quem está até hoje, etc. A história de Lobão cabe mesmo em um filme.

A linguagem do livro é, no geral, bastante coloquial, o que dá certa impressão de sermos ouvintes da narrativa e não seus leitores. Se o conteúdo de 50 anos a mil já é interessante por si só, Lobão o torna ainda mais interessante ao não se esforçar por mostrar-se sob uma perspectiva favorável. As contribuições do jornalista Claudio Tognolli, nas seções “Lobão na mídia” dão credibilidade ao que é narrado. No momento em que artistas que construíram suas carreiras no diapasão da luta pela liberdade de expressão lutam agora pela censura na produção de biografias, Lobão deixa claro que não tem nada a esconder. Afinal, ele sabe o que quer e é essa certeza que faz o lobo gritar.


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