O
crente comum difere em muito do teólogo. É verdade que ambos creem em Deus, ambos
têm fé e estão certos de que, por meio dela, religar-se-ão a Deus, de quem
foram afastados pelo pecado. Ambos creem que por meio da prática religiosa (na
acepção original do termo) poderão reconquistar o paraíso perdido, onde,
finalmente, após vencer as agruras desta vida, desfrutarão de uma
bem-aventurança sem fim. Ambos creem que há, sim, um Deus, que se revelou aos
homens, oferecendo-lhes uma saída para evitar a consequência natural da sua
condição pecaminosa, isto é, a danação eterna ou, segundo alguns credos, a
aniquilação definitiva. Ambos acreditam na autoridade das Escrituras Sagradas, as
quais teriam sido escritas sob inspiração divina para revelar aos homens todo esse
plano de redenção arquitetado pela Suprema Bondade do Universo. Ambos procuram
viver os ensinamentos desse livro, ou melhor, os ensinamentos do Cristo, que é,
no final das contas, o próprio Deus. Ambos entendem ser seu dever enquanto
cristãos propagar o que seria as verdades do Cristianismo. No entanto, enquanto
o crente comum acredita em tudo isso tão-somente por um ato de fé, alicerçado
em sua crença de que Deus se revela aos homens, seja de forma direta, por meio
de sonhos e visões, seja de forma indireta, por meio da sua Palavra, o teólogo
converte o próprio Deus em objeto de conhecimento e, fazendo isso, procura
submetê-lo ao crivo de uma metodologia pretensamente científica ou, se isso não
parece possível, ao crivo da especulação de natureza filosófica. Tudo para
demonstrar que a revelação é, afinal, defensável do ponto de vista acadêmico,
merecendo, assim, o respeito concedido a quaisquer teorias científicas ou
sistemas filosóficos. Desse modo, se o crente comum crê que Deus existe, o
teólogo não se limita a crer: ele sabe que a proposição “Deus existe” é logicamente
válida e verdadeira enquanto conhecimento seguro. Ele está convencido disso de
tal maneira que se vê capaz de demonstrá-lo ao mais cético dos homens. O
teólogo tem, além de fé, firmes convicções. Sua crença em Deus apresenta uma
justificação racional. Como ateu e interessado na análise do discurso religioso,
tenho feito um grande esforço para compreender as razões para o estabelecimento
de tal convicção, e, nesse caminho, tenho procurado entender em que consistem
tais justificativas racionais para a fé. Não é por outro motivo que tenho feito
continuamente concessões aos argumentos pró-teísmo, nos pontos em que me parece
possível transigir, a fim de alcançar sua amplitude e acompanhar suas
implicações. Neste artigo, resolvi lançar mão desse procedimento na apreciação
do argumento moral para provar a existência de Deus, o qual é concebido como o
padrão objetivo da moralidade. O argumento normalmente é proposto como um
desafio aos céticos e aos defensores de uma ética sem Deus ou de uma moralidade
relativa. Espero que o caro leitor possa compreender o cerne da argumentação e refletir
nas considerações que se seguem.