Depois de entrar em contato com
tantas críticas ao Feminismo e, mas propriamente, ao movimento feminista, a
maioria delas provindas de setores conservadores e liberais, meu interesse por
saber quem de fato são as feministas, o que pensam e como agem foi despertado. Como
sou, na maior parte das vezes, bastante desconfiado quanto aos discursos dos
críticos, parto do pressuposto de que a literatura crítica não é, a priori, digna
de confiança. Isso porque não raro o crítico incorre, de forma intencional ou
não, em falsificações do objeto criticado. É o que pude verificar com
determinadas críticas feitas ao educador Paulo Freire. Tenho certeza que poucos
discordariam de quem condenasse Paulo Freire por este proscrever o ensino da
língua padrão às classes populares sob a alegação insustentável de que aprender
essa variante linguística significaria se submeter à opressão de uma elite
privilegiada. Mas o problema dessa crítica reside no fato de que Freire nunca sequer
sugeriu tal defesa. Ressabiado com essa experiência com o discurso de críticos “de
ouvido”, fiz a opção de compreender as ideias e movimentos por meio de seus
defensores, em vez de seus detratores, que tendem sempre a reducionismos ou a
exageros, sendo ambos formas de falsear a realidade. No caso do Feminismo,
minha opção é tomar conhecimento de suas propostas a partir do discurso das
próprias feministas, e não de declarados inimigos do Feminismo. Não foi por
outro motivo que li o discurso de 36 páginas da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie,
publicada pela Companhia das Letras sob o título Sejamos todos feministas.
A autora já inicia seu discurso
tratando do estigma que a palavra feminista vem carregando ao longo do tempo. “Acusada”
de ser feminista por seu melhor amigo, Adichie não tinha sequer ideia do que
isso significava, mas compreendeu imediatamente que chamar alguém de feminista
não era bem um elogio. De acordo com essa visão, a feminista “odeia os homens,
odeia sutiã, odeia a cultura africana, acha que as mulheres devem mandar nos
homens; ela não se pinta, não se depila, está sempre zangada, não tem senso de
humor, não usa desodorante”. Adichie desmistifica todo esse estereótipo da
mulher feminista, ao mesmo tempo em que denuncia o que lhe parece óbvio, apesar
de ser invisível a muitos: mulheres são tratadas como seres humanos menos
importantes que os homens. E ela deixa isso claro por meio de narrativas
simples e bem ilustrativas de como o nosso cotidiano é repleto de ocorrências
de discriminação e violência contra as mulheres.
O livrinho (refiro-me à sua extensão)
surpreendeu-me de forma bastante positiva, pois nele não são ignoradas muitas
das conquistas feitas no sentido de construir uma situação de maior igualdade entre
os gêneros, embora nele também se dê visibilidade ao quanto ainda precisamos
avançar. Adichie também faz outras afirmações em sentido contrário ao da
crítica de muitos conservadores, que, por exemplo, afirmam que o Feminismo nega
o conhecimento da Biologia. A autora afirma: “Homens e mulheres são diferentes.
Temos hormônios em quantidades diferentes, órgãos sexuais diferentes e
atributos biológicos diferentes – as mulheres podem ter filhos, os homens não. Os
homens têm mais testosterona e em geral são fisicamente mais fortes que as
mulheres”. Mas também dispara: “... os homens governam o mundo. Isso fazia
sentido há mil anos. Os seres humanos viviam num mundo onde a força física era
o atributo mais importante para a sobrevivência; quanto mais forte a pessoa, mais chances ela
tinha de liderar. E os homens, de uma maneira geral, são fisicamente mais
fortes. Hoje, vivemos num mundo completamente diferente. A pessoa mais
qualificada para liderar não é a pessoa fisicamente mais forte. É a pessoa mais
inteligente, a mais culta, a mais criativa, a mais inovadora. E não existem
hormônios para esses atributos.”
Percebemos logo que Adichie não profere
um discurso sexista ou misândrico, como muitos críticos poderiam esperar. Em
vez disso, é ardorosa defensora da igualdade entre os gêneros. Ela é feminista,
mas deixa claro que o movimento feminista não é uma voz uníssona, que não há um
só Feminismo, mas feminismos. Entender isso é importante para rejeitarmos
qualquer caracterização limitadora do Feminismo, no geral, reduzidas a caricaturas.
Depois de ler o livro de Adichie, ouso dizer que me identifico com a causa feminista. Por que não dizer que sou um feminista?
Sérgio Santos da Silva
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