Como empresas que são, emissoras
de TV naturalmente buscam o lucro e, por essa razão, preocupam-se mais em levar
ao ar produtos de fácil consumo do que em oferecer conteúdo relevante e de
qualidade aos seus espectadores. Essa tendência ao fácil, consumível e
descartável é cada vez mais evidente na programação dos principais canais da TV
aberta, que, no geral, veiculam jornalismo sensacionalista, programas de
auditório popularescos, novelas previsíveis e apelativas e músicas-chiclete de
forte apelo comercial. Devido a isso, hoje eu quase não vejo a TV aberta,
sobretudo havendo alternativas como o Youtube e a Netflix. Mas há um programa
que me leva a parar diante da telona: o Sr. Brasil, da TV Cultura, comandado
pelo caboclo Rolando Boldrin, sem dúvida um brasileiro apaixonado por seu país.
Se já tinha um profundo respeito, admiração e carinho por esse ícone da música
caipira, esses sentimentos só se intensificaram depois da leitura de A História de Rolando Boldrin, de
Ricardo Taira e Willian Corrêa, publicado pela Editora Contexto.
O livro conta a trajetória do
cidadão de São Joaquim da Barra que, ainda criança, revelava um pendor
artístico. Em contrapartida, nenhuma inclinação demonstrava pelo ofício do pai,
mecânico de automóveis. Boldrin foi o Boy, da dupla caipira Boy e Formiga,
formada com o seu irmão, mas, quando a dupla se desfez, teve de aprender um
ofício e arranjar emprego. Mas, perseverante, não demoraria para largar tudo e
correr atrás do seu sonho. Praticamente sem dinheiro algum, mudou-se para São
Paulo, onde dormiu na rua, trabalhou em uma fábrica de calçados, participou de
diversos testes no rádio e na TV, etc. A história é fantástica e inspiradora,
mas não será contada aqui. A leitura do livro é indispensável. O que quero
deixar registrado são minhas impressões sobre a pessoa e o artista Rolando
Boldrin. Boldrin não é apenas um artista de quem sou fã. Ele é um personagem
importante da nossa cultura, que, de forma muito convicta, abraçou a missão de
mostrar o Brasil aos brasileiros, de tirá-lo da gaveta, de mostrar que o Brasil
não é só litoral e não é só samba. Em vez disso, Boldrin tem revelado que nosso
país é riquíssimo, apesar da ingerência dos políticos e, por essa razão,
convida-nos a “creditar” no Brasil, no Sr. Brasil.
Boldrin sempre amou o povo e a
cultura brasileira. No início da carreira, quando fazia apresentações em
cinemas, antes da exibição dos filmes, só subia ao palco se o filme fosse
nacional. Quando a TV Globo apostou no seu programa Som Brasil, teve de aceitar
suas condições: não poderia haver qualquer interferência. Nele seriam mostrados
principalmente artistas desconhecidos, mas de grande qualidade, não havendo
qualquer espaço para a música de alto consumo. Para isso, teve inclusive de
“peitar” o diretor da Som Livre, que queria impor a participação de seus
artistas no programa. Mas Boldrin não faz concessões: até hoje seu amigo Sérgio
Reis não subiu ao palco do Sr. Brasil porque não desfaz de sua indumentária de
cowboy texano. À semelhança de Ariano Suassuna, Boldrin não vê com bons olhos a
descaracterização da cultura nacional, nosso desejo de nos parecermos com o
americano, rejeitando nossas próprias tradições.
Além da perseverança na perseguição
de seus objetivos, da defesa inabalável de suas convicções e do talento
demonstrado em todas as suas investidas no mundo artístico, Rolando Boldrin é,
acima de tudo, uma pessoa humilde e uma alma extremamente bondosa, dada a
grandes gestos de generosidade. Mas para ter uma dimensão de tudo isso é
necessário “comer” as 224 páginas de sua belíssima biografia. Bom apetite.
Sérgio Santos da Silva