Era feia. Juro que era feia, mas não dessas fealdades a que é possível se referir por meio de eufemismos como simpática ou engraçada. Era simplesmente feia, no sentido mais estrito da palavra. Podia-se afirmar mesmo que era a antítese da beleza, o avesso de Vênus. Que me perdoe o leitor, mas não posso ter escrúpulos de dizer a verdade. A moça nada tinha que pudesse atrair os olhares de um homem. Suas expressões eram grosseiras, seu rosto tinha uma palidez doentia. A figura esquálida, o corpo mirrado, o andar esguio. Era a própria personificação da feiura.
No
entanto, era uma mulher. Tinha pensamentos, sentimentos e desejos de mulher.
Era cabeça e membros, coração e vulva. Almejava ser amada, desejada, tocada, usada.
Queria muito ser usada, pois desse modo se sentiria útil, participando de algo,
servindo a alguém. No mais, sentia que sua vida nada significava, que ninguém a
olhava, que a vida não era bela.
Ela
não era mesmo bela, não me atraía absolutamente, mas, justamente por essa
razão, senti-me atraído por essa criatura. Paradoxos da existência. Senti-me
atraído porque ela era a feia, a rejeitada, a excluída. Resquícios de um
Cristianismo renegado, mas não esquecido. Desejei ampará-la, ser seu protetor,
mostrar-me como um ser superior, abnegado, capaz de grandes bondades. Não somos
movidos apenas por sentimentos nobres, meu caro. Eu desejei usá-la, como se
fosse uma coisa minha.
Aproximamo-nos.
Fui, a partir de então, seu amigo, confidente, cúmplice. Ofereci o ombro.
Estendi a mão. Estiquei-me e apanhei aquela feia flor que furava o asfalto e,
com uma voz fraquinha, dizia que ainda estava viva. Cheirei-a, não senti nada
de especial, mas a confinei em meu jardim. Dei-lhe o direito de conviver comigo,
com meus infernos.
Ela se mostrou satisfeita com esse arranjo. Tinha a alma submissa: passou a me venerar como se eu fosse um deus, mas eu não era. Eu cultivava o mal. Um demônio morava no meu coração. Ela era feia, mas se entregava a mim como uma mulher. Gostava de obedecer. Queria me deixar no controle. Difícil resistir. A tentação era enorme. Eu era o próprio demônio. Ela era feia, mas ficava molhada, ficava com a boca molhada.
Ela se mostrou satisfeita com esse arranjo. Tinha a alma submissa: passou a me venerar como se eu fosse um deus, mas eu não era. Eu cultivava o mal. Um demônio morava no meu coração. Ela era feia, mas se entregava a mim como uma mulher. Gostava de obedecer. Queria me deixar no controle. Difícil resistir. A tentação era enorme. Eu era o próprio demônio. Ela era feia, mas ficava molhada, ficava com a boca molhada.
Um
dia não consegui me conter. Ela estava cada vez menor, cada vez menos.
Estávamos sós. Não sei como aconteceu, mas estávamos a sós. Ela se rebaixava,
me colocava em um pedestal para me adorar. Acariciava meu ego. Eu virava o
diabo. Naquele momento, ela se convertia em nada; eu, no Todo-poderoso, como se
a criara, como se ela dependesse de mim. Era feia, mas uma mulher que continuava
a diminuir, sempre a decrescer. Uma mulher que ia se abaixando, como se fosse
se curvar e me prestar reverência. Era mesmo uma mulher, e ia se abaixando, mas
parou à altura da minha cintura. Então, em êxtase, olhou-me nos olhos e abriu
um beatífico sorriso. Começou a desabotoar minhas calças, devagar, como se
cumprisse um ritual. Foi me desnudando liturgicamente, e eu não me continha,
deixava que fizesse suas revelações. De repente, abriu a boca, estava molhada, abriu
como se fosse sua primeira vez, como se fosse a primeira comunhão. Segurou
firme o que considerava um sagrado alimento. Com devoção, envolveu-o com a
língua. Uma legião se apoderou de meu corpo. Já não pensava. Eu não estava ali,
ou estava. Mas não era eu. Ela era feia, mas continuava embevecida, entregue ao
seu culto a mim. Agarrava sua felicidade com as mãos, com os dentes, me
segurava com força, como se eu fosse a sua salvação. Não pude me conter, fui ao
céu, atingi os píncaros da glória e a criatura, que provara do meu pão, agora, satisfeita,
provava do vinho. Ela se regozijava. Estava em paz consigo: já não era feia.
Sérgio
Santos
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