“O real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia...” (Guimarães Rosa em Grande sertão: veredas)
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
domingo, 30 de dezembro de 2012
No fundo, uma ideia rasa
A
frase pode expressar um sentimento sincero, mas esconde certa atitude presunçosa.
Acostumei-me a ouvi-la, tal a frequência com que ela é dita. De início,
incomodava-me muito, depois passei simplesmente a ignorá-la. Quem diz parece
não se dar conta de tudo o que está sugerido nessa simples afirmação. Quem
ouve, entende instantaneamente. Nas diversas situações em que tive de me expor
e revelar minhas opiniões a respeito dos mais variados temas, deparei-me,
naturalmente, com muitas pessoas que defendiam opiniões contrárias às minhas e
que, por essa razão, criticavam-nas, levantando-lhes muitas objeções. Mas em
nenhum desses casos tive de ouvir uma frase semelhante a essa que ouço sempre
que o assunto é religião. Sim, é sempre nesse contexto que ela aparece. Basta
expor meu ceticismo em relação a tudo que se relaciona com uma realidade espiritual, basta assumir meu ateísmo para ser imediatamente desferido pela seguinte afirmação: “No fundo, no
fundo, você acredita em Deus”. Isso mesmo. Lá no meu íntimo, apesar de confessar
o oposto, devo acreditar em Deus. Meu interlocutor, ainda que não me conheça
intimamente, é capaz de perceber isso. Ele sabe que falo apenas “da boca para
fora”. Claro, porque é impossível que alguém não acredite em um deus, sobretudo
no Deus cristão, esse deus que a norma culta me obriga a grafar com inicial
maiúscula.
Sempre
pensei em dar uma resposta malcriada a esse tipo de provocação. Mas, visto ter
a tendência de procurar justificativas para o comportamento alheio, sempre cedo
à tentação de perdoar. Afinal, se alguém tem certeza absoluta de ter alcançado
a verdade, só pode achar mesmo que essa verdade é evidente para todo mundo. Para
essa pessoa, o ateu deve estar se comportando como a mulher traída que, apesar
de todas as evidências em contrário, não admite que seu marido seja um adúltero.
Nesse caso, ainda que a melhor amiga procure alertá-la, ainda que o tenha
flagrado em situações comprometedoras acompanhado de outra mulher, ainda que
tenha lido mensagens suspeitas no celular, saberá ela que seu cônjuge não mente
quando diz que tudo não passa de mal entendidos. Mas, no fundo, no fundo, ela
sabe que está sendo traída. E por que não admite isso? Simples: ela prefere
estar casada com o adúltero, com quem construiu certa estabilidade na vida, a
sofrer toda a instabilidade emocional e até mesmo financeira de uma separação.
O
problema é que a comparação com o ateu não faz sentido. O ateu nada ganha em,
sabendo que Deus existe, não admiti-lo. Pelo contrário, admitindo a existência
de Deus, o agora teísta deixaria de sofrer o preconceito por fugir ao
pensamento da maioria. Não se pode esquecer que ser ateu significa carregar um forte estigma social. Ateus, no geral, não são bem vistos pelas
pessoas. É como se sofressem de algum mal ou – pior – representassem algum mal para
o mundo. Construiu-se a ideia de que ateus são seres imorais, inescrupulosos,
capazes de cometer toda forma de violência. Isso porque – acredita-se – a única
fonte de onde se podem extrair princípios morais é a Bíblia. E, sem um inferno
a temer, não há razão para se agir com ética e amor ao próximo. Acrescente-se a
isso que sua vida passaria a ter algum propósito, a perspectiva de uma
existência pós-morte, a esperança de ser feliz, agora definitivamente, e de ver,
afinal, a justiça sendo feita, deixa de haver qualquer justificativa plausível
para sua relutância em não confessar o que já está ali, no seu âmago.
Há
ainda outra razão que me leva a evitar a resposta malcriada. É que isso só
serviria para indispor as pessoas contra mim. Não obstante seja eu o ofendido
pela acusação de insinceridade, o autor da frase é quem se veria no direito de
se sentir indignado com tamanha falta de respeito da minha parte. Talvez outro
ateu ache que eu não devesse me importar com isso, e, em vez disso, devesse
radicalizar, de modo a firmar meu posicionamento frente às pessoas. É a ideia
de que a melhor defesa é o ataque. Entendo essa proposta de atuação no mundo, mas
percebo que, na maioria das vezes, optar por essa solução só contribui para
reforçar ainda mais a imagem negativa que se tem do ateu. Não se trata, no
caso, de conquistar inimizades pessoais somente, mas de alimentar hostilidades
contra uma causa. E não posso esquecer que os ateus representam uma minoria,
minoria essa que precisa conquistar o respeito da sociedade.
Sempre
que a expressão adverbial “no fundo, no fundo...” é dirigida a mim, penso que a pessoa que a
emprega não tem coragem de fazer o mergulho em direção ao fundo. Teme que lhe falte
ar ou que seja tragada por alguma correnteza. Daí permanecer no raso, apenas na
superfície das ideias, evitando a discussão mais aprofundada por meio da sugestão
de que nada há a discutir, já que tudo está posto diante dos olhos. Sendo assim,
não adianta afirmar o contrário, pois sempre se pode dizer que “o pior cego é
aquele que não quer ver...”
Diante
dessa recusa ao mergulho, pensei diversas vezes que poderia fazer “o feitiço se
virar contra o feiticeiro”. A estratégia seria a seguinte: adiantar-me-ia à
acusação habitual fazendo eu mesmo a acusação, só que dirigida ao meu
interlocutor. Pensei em algo como: “Você diz que Deus existe, mas no fundo, no
fundo, você sabe que está só se enganando, que nada disso faz sentido” ou “Você
demonstra muita confiança, mas no seu íntimo cultiva muitas dúvidas a respeito
de suas crenças”. Mas no final das contas, não vi vantagem nenhuma em agir da
mesma forma que a maioria dos teístas. Nunca me senti autorizado a fazer
julgamentos sobre o que anda no íntimo das pessoas. Acredito, no geral, no que
me dizem. Se alguém diz que crê em Deus, que acredita que Jesus voltará para
buscá-lo, merece todo o meu crédito. Não duvido de sua sinceridade. Acredito em
cada palavra dita. Do fundo do meu coração.
Sérgio Santos da Silva
sábado, 29 de dezembro de 2012
A espantosa credulidade do ateu
Não, não se trata de defender aqui, como o título parece sugerir, que para ser ateu é necessário ter fé. Se você é ateu, fique tranquilo quanto a isso. Se você é religioso, perca desde já suas esperanças. Não vou afirmar tal bobagem. Embora não implique, necessariamente, a exclusão da racionalidade, a fé não é, por definição, uma atitude racional. Observe-se que ao fazer tal afirmação não estou sugerindo que os conteúdos da fé não possam ter fundamentos racionais nem que o homem de fé não seja um indivíduo racional, mas que, no ato de fé, tais fundamentos são perfeitamente dispensáveis. Isso significa que a crença pura e simples precede a tentativa de justificá-la, pelo menos como regra geral. Atitude diferente de ter fé é tomada pelo ateu, que vê, na falta de razões suficientes para crer em algo, uma razão suficiente para duvidar da existência desse algo. Essa é uma operação estritamente racional, que, diferente da fé, não pode prescindir dos fundamentos da razão, ainda que não seja garantia de chegar a conclusões corretas. Embora relevante, não é essa a questão que proponho discutir neste artigo, mas a credulidade de muitos ateus em relação ao poder que a educação formal teria na construção de uma sociedade livre de religião. É uma ideia ingênua, meus caros, uma credulidade espantosa.
segunda-feira, 4 de junho de 2012
O direito de existir
Não acredito na existência de
Deus. Fazer tal afirmação, em um país de maioria teísta e cristã, configura-se
como algo muito temerário, sobretudo quando se paga um preço tão alto – a
condenação sumária de toda a sociedade – por fazê-la. Portanto, se a faço é porque tenho fortes
razões para isso. Quero citar aqui apenas duas: em primeiro lugar, não existe
nenhuma prova ou evidência suficiente que me leve a acreditar na existência de
um ser todo-poderoso e pessoal; em segundo, o posicionamento ateísta é tão
defensável quanto a crença em um Deus.
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