terça-feira, 17 de outubro de 2017

O livro de que gosto é ilegal, imoral ou engorda?

Enfim, posso dizer que li um livro proibido. Já faz algumas semanas que concluí a leitura de Roberto Carlos em detalhes, biografia do proclamado rei da música popular brasileira, de autoria do jornalista Paulo Cesar de Araújo, lançado em 2006 pela Editora Planeta. A biografia viria a ser censurada pelo próprio biografado apenas um ano após o seu lançamento. No entanto, ainda que o livro tenha sido recolhido das lojas em 2007, em virtude de uma decisão judicial, uma versão em PDF passou a circular amplamente na internet, o que possibilitou a qualquer um o acesso à obra. No meu caso, que não gosto de ler ebooks no formato PDF, tive a oportunidade de ler as 502 páginas da interdita biografia de Roberto Carlos em uma versão .mobi, o que favoreceu uma leitura mais prazerosa no Kindle.

Quando leio uma biografia, minha expectativa, que não pode ser muito diferente da de outros leitores de biografias, é me deparar com uma narrativa interessante, que, de certo modo, forneça-me elementos para melhor compreender o personagem biografado e a sua obra. Nesse sentido, pode-se dizer que a biografia de Roberto Carlos é bem-sucedida. Como qualquer livro do gênero, em Roberto Carlos em detalhes há a narrativa de toda a trajetória do rei: seu nascimento, o acidente na infância, o sucesso local em uma rádio de Cachoeiro de Itapemirim, a busca pelo sucesso no Rio de Janeiro, a sua “adoção” por Carlos Imperial, a participação, com Tim Maia, no grupo The Sputniks, a imitação de Elvis Presley e, em seguida, de João Gilberto, os primeiros compactos, o primeiro disco, os primeiros fracassos; a chegada na gravadora CBS, o sucesso de “Parei na contramão”, a importante condução de sua produção discográfica por Evandro Ribeiro, a vitória no festival San Remo, o estouro de “Quero que vá tudo pro inferno”, a amizade com Erasmo Carlos, com quem construiria uma profícua parceria musical, etc. etc. etc. A história do rei está ricamente relatada no livro, em detalhes, como promete o título.

No entanto, o livro do Paulo Cesar de Araújo é muito mais do que isso. O que mais me despertou o interesse foi o fato de o autor oferecer ao leitor não apenas o feijão-com-arroz de toda biografia, mas também interessantes análises, como a de movimentos musicais como a bossa nova, a jovem guarda e a tropicália. O pessoal da bossa nova, por exemplo, é mostrado como um grupo extremamente fechado, ao qual Roberto Carlos não tinha direito de se associar. Não obstante isso, a incipiente carreira do autor de “Detalhes” era acompanhada com certo interesse por artistas como Silvinha Telles e o próprio João Gilberto. O livro me fez ainda rever algumas ideias que tinha a respeito do pioneirismo tropicalista de Caetano Veloso e companhia no enfrentamento do tradicionalismo estético que não permitia o uso de instrumentos musicais como a guitarra elétrica, vista como símbolo do imperialismo ianque. A Tropicália é, em grande medida, influenciada por ousadias estéticas e comportamentais de artistas como Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia, que enfrentaram na época forte preconceito, tanto de uma direita conservadora, zelosa pela defesa da moral e dos bons costumes, quanto de uma engajada esquerda, que os acusava de alienados e alienantes.

Há muito mais o que dizer da obra. Paulo Cesar fez um trabalho primoroso e – não há dúvida – bastante respeitoso para com o rei, de modo que me pareceu ainda mais incompreensível a atitude de Roberto Carlos em censurá-lo. A intervenção do rei só serviu para acender o debate sobre biografias não autorizadas. Felizmente, o recolhimento da obra não nos impediu o acesso à agradável leitura da interessante narrativa de um dos mais importantes personagens da história da música brasileira.  

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