Enfim,
posso dizer que li um livro proibido. Já faz algumas semanas que concluí a
leitura de Roberto Carlos em detalhes,
biografia do proclamado rei da música popular brasileira, de autoria do
jornalista Paulo Cesar de Araújo, lançado em 2006 pela Editora Planeta. A
biografia viria a ser censurada pelo próprio biografado apenas um ano após o
seu lançamento. No entanto, ainda que o livro tenha sido recolhido das lojas em
2007, em virtude de uma decisão judicial, uma versão em PDF passou a circular
amplamente na internet, o que possibilitou a qualquer um o acesso à obra. No
meu caso, que não gosto de ler ebooks no formato PDF, tive a oportunidade de
ler as 502 páginas da interdita biografia de Roberto Carlos em uma versão
.mobi, o que favoreceu uma leitura mais prazerosa no Kindle.
Quando
leio uma biografia, minha expectativa, que não pode ser muito diferente da de
outros leitores de biografias, é me deparar com uma narrativa interessante,
que, de certo modo, forneça-me elementos para melhor compreender o personagem
biografado e a sua obra. Nesse sentido, pode-se dizer que a biografia de
Roberto Carlos é bem-sucedida. Como qualquer livro do gênero, em Roberto Carlos em detalhes há a
narrativa de toda a trajetória do rei: seu nascimento, o acidente na infância,
o sucesso local em uma rádio de Cachoeiro de Itapemirim, a busca pelo sucesso
no Rio de Janeiro, a sua “adoção” por Carlos Imperial, a participação, com Tim
Maia, no grupo The Sputniks, a imitação de Elvis Presley e, em seguida, de João
Gilberto, os primeiros compactos, o primeiro disco, os primeiros fracassos; a
chegada na gravadora CBS, o sucesso de “Parei na contramão”, a importante
condução de sua produção discográfica por Evandro Ribeiro, a vitória no
festival San Remo, o estouro de “Quero que vá tudo pro inferno”, a amizade com
Erasmo Carlos, com quem construiria uma profícua parceria musical, etc. etc.
etc. A história do rei está ricamente relatada no livro, em detalhes, como
promete o título.
No
entanto, o livro do Paulo Cesar de Araújo é muito mais do que isso. O que mais
me despertou o interesse foi o fato de o autor oferecer ao leitor não apenas o
feijão-com-arroz de toda biografia, mas também interessantes análises, como a
de movimentos musicais como a bossa nova, a jovem guarda e a tropicália. O
pessoal da bossa nova, por exemplo, é mostrado como um grupo extremamente
fechado, ao qual Roberto Carlos não tinha direito de se associar. Não obstante
isso, a incipiente carreira do autor de “Detalhes” era acompanhada com certo
interesse por artistas como Silvinha Telles e o próprio João Gilberto. O livro
me fez ainda rever algumas ideias que tinha a respeito do pioneirismo
tropicalista de Caetano Veloso e companhia no enfrentamento do tradicionalismo
estético que não permitia o uso de instrumentos musicais como a guitarra
elétrica, vista como símbolo do imperialismo ianque. A Tropicália é, em grande
medida, influenciada por ousadias estéticas e comportamentais de artistas como
Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia, que enfrentaram na época forte preconceito,
tanto de uma direita conservadora, zelosa pela defesa da moral e dos bons
costumes, quanto de uma engajada esquerda, que os acusava de alienados e
alienantes.
Há
muito mais o que dizer da obra. Paulo Cesar fez um trabalho primoroso e – não
há dúvida – bastante respeitoso para com o rei, de modo que me pareceu ainda
mais incompreensível a atitude de Roberto Carlos em censurá-lo. A intervenção do
rei só serviu para acender o debate sobre biografias não autorizadas. Felizmente,
o recolhimento da obra não nos impediu o acesso à agradável leitura da interessante
narrativa de um dos mais importantes personagens da história da música
brasileira.
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