Só existe uma forma de um relacionamento entre um homem e uma mulher dar certo: se tanto esta quanto aquele forem inteiros. O casamento entre duas metades, ao contrário, não tende a dar certo, pois se uma pessoa depende da outra para estar completa, é porque é a necessidade e não o amor o que sustenta a relação. E casamento cuja base não seja o amor não é casamento, mas apenas um contrato civil.
Já nos assegurava o poeta: o amor é dado de graça. Sim, o
amor é gratuito. Amamos não porque precisamos do outro, mas apesar de não
precisarmos dele. É isso que Cristo nos ensinou quando disse que devíamos amar o
próximo. Verdadeiramente ama o próximo quem o ajuda não tendo necessidade de
fazê-lo. O político, por exemplo, que oferece ajuda ao necessitado porque necessita
dele, não age por amor, mas por interesse. O que ele vê não é uma pessoa, mas
um potencial eleitor. Diferentemente, o bom samaritano de que fala a parábola
não precisava estender sua mão a um desconhecido, mas, ao fazê-lo, revelou todo
amor que sentia pela humanidade.
Tudo isso é só para dizer: eu amo a minha esposa porque não
preciso dela. Ela me ama porque não precisa de mim. Por isso estamos casados há
mais de uma década. Casados como um pacote de TV e internet. Tanto esta quanto
aquela, sem dúvida, justificam-se por si mesmas. Mas é claro que é muito mais
vantajoso ter as duas. Eu sou a TV, limitado a alguns canais de informação e
entretenimento. Ela é a internet, um universo de múltiplas possibilidades,
inclusive a de transformar a TV. Minha esposa me transformou.
Ao longo desses anos, desentendemo-nos algumas vezes. Cometemos
erros, eu muito mais do que ela. O amor não é antípoda da dor. Ela já me abriu
feridas. Eu já sangrei seu coração. Somos dois inteiros e, por isso, nem sempre
estamos de acordo, nem sempre estamos em harmonia. Não somos como as metades da
laranja de que fala uma conhecida canção. Somos duas laranjas, colhidas de
diferentes laranjeiras. No entanto, justamente porque o amor existe,
sobrevivemos a todos os reveses que nós mesmos provocamos. Justamente porque o
amor existe, passado o temporal, constatamos que ninguém abandonou o navio,
mesmo cada um podendo tocar seu barco sozinho. Justamente porque nos amamos, é
que queremos estar juntos. E nos amamos porque somos inteiros, como café e leite.
Ambos podem ser tomados sozinhos, mas quem pode negar que os dois juntos na
mesma xícara tornam a refeição mais saborosa? Tomar essa refeição é usufruir a
vida. O amor é o pingado.