Nesses dias em que o assunto
predominante é Política, darei aos meus leitores mais do mesmo: este artigo versará
sobre Religião. Como assim? Não estranhe: falar de uma coisa implica falar da
outra. Apesar de vivermos em uma época em que Igreja e Estado se encontram
divorciados, a verdade é que este não consegue tirar aquela do pensamento; e
aquela não consegue apagar este do seu coração. Os dois, Religião e Estado,
continuam mantendo relações, sem qualquer cuidado para “não dar bandeira”. De
forma mais explícita, o Estado procura não contrariar a Igreja, haja vista ser
uma amante melindrosa e temperamental, capaz de manipular os sentimentos do
povo para conseguir o que quer; e a Igreja, por sua vez, procura seduzir o
Estado, de modo a poder influenciá-lo a fazer tudo o que é do seu exclusivo
interesse.
No meu ponto de vista, a onda
conservadora que tem crescido no Brasil tem revelado como essa relação é
epidérmica. A coisa é escancarada: o Estado laico deita e rola com a Igreja, cujo
reino “não é deste mundo”, em plena
luz do dia! Quanta sem-vergonhice! A César o que é de César? Não, de jeito
nenhum! Onde já se viu cristãos seguindo a Cristo? Não, nada de cumprir seus
deveres “domésticos” (isto é, civis) e deixar o Estado com ampla liberdade para
agir. Os cristãos querem mesmo é ser amigos do rei, estar mancomunados com ele,
protegidos por ele, isentos do dever de pagar impostos, quiçá tornando-se o
próprio César!
O negócio funciona assim: o Estado
laico resolve governar para todos os cidadãos: cristãos, muçulmanos,
candomblecistas, agnósticos, ateus, à toas, etc. E o que faz o grupo que
encabeça essa lista? Fica ofendidinho e resolve que o Estado deve governar
apenas para eles. Segundo seu raciocínio, o Estado deve seguir os princípios do
Cristianismo. Mas por quê? Quem esse povo pensa que é? Um exemplo simples: cristãos
não aceitam que homossexuais possam desfrutar dos mesmos direitos dos demais
cidadãos, pois isso seria uma afronta à religião cristã. Mas, criaturas de
Deus, dar direitos aos homossexuais implica retirar direitos dos héteros? O
Estado não deve ser para todos? “Mas Deus criou Adão e Eva, e não Adão e Ivo.”
É o quê? Isso é sério? Ora, vão procurar o que fazer!
O pior é que a direita conservadora
não é uma diferente visão política. É, antes, uma religião política, com tudo o
que tem direito. Temos um profeta? Sim, Olavo de Carvalho! Evidente: esse homem
iluminado conseguiu prever há mais de vinte anos o que só agora todos são
capazes de enxergar: os comunistas estão comendo quietos. Sempre estiveram. Se
não tomarmos cuidado, eles devorarão toda a despensa e logo logo estarão
comendo a tudo e a todos. E uma Bíblia, temos? Ora, os livros do nosso profeta!
Você já leu o Jardim das Aflições,
capítulo 1, versículo 3? Um salvador: Jair Bolsonaro, o mitão, o homem que vai
trazer o Brasil de volta à ordem e ao progresso. O homem sem pecados políticos,
que pode pôr fim a toda a imundície existente hoje no Palácio do Planalto e no
Congresso Nacional. Enfim, não podia faltar o Armagedon: a batalha final, que
será travada entre os capitalistas cristãos, defensores do livre-mercado, e os
comunistas ateus, defensores do sexo livre. O que dizer sobre tudo isso? Salve-se
quem puder!
Sérgio Santos da Silva